A redução de alíquotas, a estiagem e a queda real do ICMS gaúcho em 2022

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As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade dos autores, não refletindo o posicionamento da Entidade.

Roberto Balau Calazans

Introdução

Os dados divulgados pela Secretaria Estadual da Fazenda do RS mostram que o ICMS total em 2022 teve um decréscimo real de 13,6% em relação ao ano anterior. O atual governo tem atribuído à estiagem prolongada e à redução de alíquotas sobre combustíveis, energia, transporte e telecomunicações (Lei Complementares 192/22 e 194/22). Tal corte prejudicou a arrecadação de ICMS nos estados brasileiros, sendo que já foi acordada uma compensação de perdas no montante de R$ 26,9 bilhões. O RS estimava perdas na ordem de R$ 5,0 bilhões, mas irá receber o montante de R$ 3,0 bilhões.

Alguns analistas também atribuem o mal desempenho tributário do RS as medidas forçadas de lockdown adotadas pelo governo e seu conselho científico em 2020-21, as quais resultaram no enorme fechamento de empresas e a ruína de pequenos e médios empreendedores. Isso trouxe uma previsível retração nas atividades econômicas, com impactos sobre a renda e emprego, gerando efeitos negativos e cumulativos à economia local. Todavia, tal afirmação sustenta o discurso de oposição sem, entretanto, apresentar uma clara comprovação acadêmica.

Com a extinção da Fundação de Economia Estatística, a pesquisa local perdeu sua força e autonomia científica. De outra parte, a Receita Estadual mantém uma página eletrônica[1] em que divulga dados abertos e publicações sobre o comportamento da arrecadação de impostos, desonerações, indicadores econômicos etc. Contudo, tais informações têm abrangência apenas local.

A solução intermediária é recorrer às fontes estatísticas nacionais, tais como as do Ministério da Fazenda (Confaz[2]) e do Tesouro Nacional (Siconfi[3]).

O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) fornece em seu sítio eletrônico estatísticas sobre o recolhimento de tributos estaduais, com dados mensais desagregados por setores econômicos para os exercícios de 1997 até 2023.O Boletim de Arrecadação de Tributos Estaduais expõe dados mensais dos seguintes impostos: ICMS, IPVA, ITCD, taxas e receita tributária para o conjunto dos estados brasileiros e o Distrito Federal.

Outra fonte alternativa de pesquisa é o sistema de informações do Tesouro Nacional (Siconfi), o qual consolida os relatórios gerenciais definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. No entanto, não há uma uniformização dos critérios de contabilização de algumas receitas fiscais entre os estados, sendo que a sua utilização pode acarretar distorções na interpretação de itens de receita tributária.

O presente texto utiliza as informações contidas na base de dados do Ministério da Fazenda, recorrendo ao uso de scripts construídos com a linguagem do software R.

Objeto de análise

O ICMS é o principal tributo dos estados, respondendo a quase 85% da receita tributária dos entes estaduais e tendo parte de seus recursos repartidos com os municípios de modo a atender às destinações constitucionais à educação e à saúde. Seguindo o referido Boletim, verifica-se que o crescimento nominal da receita tributária dos estados em 2022 apresentou uma expansão de 7,5% (R$ 814,4 bilhões), ante 23,8% em 2021 (R$ 757,7 bilhões). A aceleração da inflação em 2021 influenciou a expansão do recolhimento de impostos dos entes federados.

Em 2022, o valor nominal do ICMS das 27 unidades federadas alcançou a cifra de R$ 690,8 bilhões, contra R$ 652,5 bilhões de 2021. Seu incremento nominal atingiu 5,9%, ante 25,5% de 2021. Os cinco maiores estados em crescimento foram, pela ordem: SC (18,3%), PA (17,9%), MA (15,2%), MT (10,5%) e SP (8,3%).

As reduções de alíquotas promovidas pelo governo federal e pelo Congresso às vésperas das eleições derrubaram a arrecadação deste imposto a partir de julho de 2022. Em junho passado, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que fixou um teto de 17% ou 18% para as alíquotas de ICMS sobre combustíveis, energia, transporte e telecomunicações, itens classificados como essenciais (LC 194/22). O Supremo Tribunal Federal já havia decidido que tais bens e serviços essenciais não poderiam ser alvo de uma cobrança mais elevada. Todavia, a Corte tinha previsto uma transição até 2024. A redução de alíquotas trouxe impactos negativos sobre o ICMS na maioria dos estados, excetuando-se Santa Catarina. O Rio Grande do Sul ocupou a 27.ª posição no ranking do crescimento da arrecadação no ano passado (-5,4%), seguido do Rio de Janeiro, com a 26.ª (-4,6%), e outros estados de menor relevância em termos de PIB. Ainda que o RS tenha sido submetido às restrições

climáticas, que prejudicou a renda do agronegócio, o crescimento comparativo do ICMS setorial ficou abaixo de estados relevantes entre os anos 2020 e 2023/1, motivo para uma análise mais acurada de suas causas setoriais.

No entanto, cabe lembrar uma justificativa importante. A partir de 01/01/22, houve o retorno das alíquotas aos seus patamares históricos: a básica passou de 17,5% para 17% e houve a diminuição dos incidentes sobre energia elétrica, combustíveis e telecomunicações, decaindo o percentual de 30% para 25%. Isso representou uma queda anual de R$ 3,0 bilhões. Isso também indica que a matriz tributária do RS, que foi majorada em anos anteriores, é insuficiente para enfrentar o desequilíbrio orçamentário crônico do estado. Portanto, a prolongada seca não seria a justificativa adicional à queda do desempenho tributário gaúcho, retirando-se o duplo efeito derivado da redução

de alíquotas em setores essenciais. Primeiro, houve o retorno das alíquotas aos seus níveis históricos em 01/01/2022, trazendo a carga tributária estadual ao seu patamar previsto em lei. A seguir, adveio a principal mudança trazida pela LC n.º 194/22, qual seja, considerou algumas mercadorias e serviços como essenciais e indispensáveis, bem como limitou suas alíquotas em 17% ou 18%. Cabe perguntar até quando alíquotas elevadas de 25% ou 30% incidiram sobre bens e serviços essenciais?

Abaixo, descreve-se a evolução das taxas de crescimento nominal do ICMS (12 meses) em estados selecionados no período 2020-23/1. As desacelerações no RS e RJ são as mais evidentes.

O preocupante é que esses dados mostram, ainda, uma expressiva desaceleração do recolhimento de ICMS no setor terciário. Os números apontam que o terciário gaúcho teve o pior desempenho entre os grandes estados da Federação em 2022. Veja o gráfico abaixo.

Agora, avaliando-se os dados em termos reais — deflacionados pelo IPCA e atualizados para dez/22 — e os crescimentos setoriais da arrecadação, a Tabela 1 apresenta o desempenho do ICMS em 6 estados, a saber: RS, MG, RJ, PR, SC e SP. Novamente, o destaque cabe ao Estado de Santa Catarina que obteve percentuais positivos na maioria dos setores.

Ao contrário dos outros estados da Região Sul (SC e PR), o Rio Grande do Sul teve queda em todos os setores selecionados, em especial no terciário, com um decréscimo de R$ 1,8 bilhão (-10,6%). Outro estado endividado, como o Rio de Janeiro, teve um desempenho semelhante ao gaúcho, mas com percentuais de queda inferiores ao do RS, excetuando-se os setores secundário e de combustíveis.

Tabela 1 – Desempenho real do ICMS setorial em estados selecionados – 2021-22

A seguir, os Gráficos abaixo ilustram o desempenho do ICMS real num comparativo entre os estados, sendo que as linhas tracejadas detalham o comportamento diferenciado dos setores terciário e secundário nos estados acima indicados. Em primeiro lugar, o setor terciário gaúcho teve o pior desempenho na Região Sul e entre os grandes estados brasileiros.

Em segundo lugar, o setor secundário gaúcho apresentou queda real de R$ -1 bilhão, semelhante ao RJ (-725,3 milhões). Contudo, os demais estados tiveram comportamento oposto ao verificado no RS e RJ. Paraná teve um incremento real de R$ 405 milhões, Minas Gerais (1,5 bilhão) e São Paulo (207 milhões).

Nas telecomunicações, ainda que o setor tenha demorado a repassar a desoneração integralmente para os consumidores, houve um decréscimo generalizado nesses estados, registrando-se percentuais significativos de redução real.

A arrecadação real de ICMS no setor de petróleo, combustíveis e lubrificantes recuou quase 13% no RS e houve uma queda mais significativa de 35,1% no RJ.

No setor de energia elétrica, as reduções atingiram patamares superior a 30% no RS, MG e PR, comparativamente as quedas mais atenuadas do RJ e de SP. O Estado de Santa Catarina se caracterizou como uma exceção aos demais.

Considerações finais

Os dados acima demonstram que o desempenho do ICMS em 2022 é muito preocupante na comparação com os grandes estados da Federação, cabendo buscar explicações sobre os determinantes dessa queda expressiva. Para um estado cronicamente endividado e deficitário, que aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal, cabe reconhecer que as justificativas fornecidas pelo governo são muito limitadas e não explicam as discrepâncias setoriais existentes com os demais entes estaduais. As recorrentes majorações das alíquotas de ICMS demonstram que a carga tributária estadual tem sido insuficiente ante a elevação do gasto público. Nos anos recentes, as receitas de privatizações garantem a cobertura do déficit público, porém, o dispêndio futuro com o serviço da dívida irá comprometer as próximas administrações estaduais.


[1]  http://receitadados.fazenda.rs.gov.br/

[2]. http://www.confaz.fazenda.gov.br/boletim-de-arrecadacao-dos-tributos-estaduais

[3]  https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/index.jsf


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