É louvável o esforço do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial o do Ministro Gilmar Mendes e de sua equipe, para tentar equacionar a polêmica da regulamentação das perdas dos Estados, como a dos créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e, principalmente, com as exportações de produtos primários e semielaborados.
Originadas na Lei Complementar Federal 87/96 (Lei Kandir), as perdas com a exportações foram levadas à sede constitucional pela Emenda Constitucional 42/2003, que também introduziu o artigo 91 no Ato das Disposições Adicionais Transitórias que previa a edição de Lei Complementar para regulamentar a compensação destas perdas.
Com a omissão legislativa declarada, o STF envidou esforços para viabilizar um entendimento entre todas as partes o que resultou na homologação de acordo que visa por fim à discussão político-jurídica que perdura há décadas.
No entanto, o conflito pode não ter terminado já que o acordo depende da promulgação de determinada emenda constitucional, da edição de lei que recepcione o referido acordo e do sucesso do leilão de blocos de exploração de petróleo, ou seja, condições que devem ser cumpridas pelo Congresso Nacional e pela própria União.
Aliás, o próprio acordo prevê que “persistindo a mora legislativa, o Supremo Tribunal Federal poderá ser novamente instado a se manifestar nos autos da ADO 25, diante do descumprimento do prazo e das condições fixadas no julgamento de mérito da referida ação direta de inconstitucionalidade por omissão”.
Portanto, os estados e municípios ainda não podem considerar como certo o recebimento dos valores acordados, que, por sinal, não chegam a uma décima parte do total das perdas, uma vez que, o acordo prevê o repasse de R$ 65,6 bilhões num período de dezessete anos enquanto que desde 1996 até o final de 2020 as perdas devem ultrapassar o montante de R$ 800 bilhões; somente no ano de 2018 as perdas dos Estados chegaram, a preços de junho de 2019, a R$54 bilhões.
Portanto, este acordo somente se justifica pela situação de penúria em que se encontram os estados e municípios.
Porém, o ponto principal deste imbróglio federativo ainda não foi atacado que é a necessidade de serem revogados os dispositivos causadores desta que é uma das principais causas do enfraquecimento dos estados e municípios e, consequentemente, da lenta decadência da economia brasileira.
Somente o retorno ao estabelecido pelo constituinte originário é que minimizaria a agonia dos serviços públicos e não as falsas soluções recorrentemente apresentadas como as de novas transferências compensatórias temporárias – que, além de instáveis, são fonte de permanente conflito político – e tampouco via aumento do endividamento, seja destes entes ou da própria União, que somente postergam, com altos custos, a redução do problema.
A revogação do crédito do ICMS sobre as aquisições de ativo permanente e de bens e consumo se mostra necessária já que a transformação de crédito físico para crédito financeiro mostrou-se totalmente inviável.
Por seu turno, a revogação da imunidade do ICMS para a exportação dos produtos primários e semielaborados é financeira, econômica e politicamente viável, pois requer somente a desconstrução de alguns sofismas que ainda sustentam esta desestruturante imunidade.
Um destes sofismas é o de que não se exporta imposto.
Ora, a ideia do retorno desta tributação visa reter estes produtos para que ocorra no país a instalação de uma cadeia produtiva com o objetivo de exportar – aí sim ao correto abrigo do benefício tributário – produtos com maior valor agregado evitando a transferência de empregos e renda para outros países e enfrentando a lógica financeira do produtor de não se submeter aos custos da industrialização já que ele pode obter renda apenas plantando ou abrindo buracos.
Outro sofisma afirma que o custo do ICMS é um fator de perda de competitividade do preço destes produtos.
Ora, o preço internacional destes produtos é regulado pelos mercados e não pelo seu custo, como, aliás, recentemente foi verificado com a exportação de minério de ferro.
Outro sofisma diz que estas exportações trouxeram ganhos para arrecadação dos estados.
Na verdade, a expansão da arrecadação verificada no início de 2000 decorreu do aumento de alíquotas, dos preços e da demanda dos combustíveis, comunicação e energia elétrica bem como da ampliação da substituição tributária, da implantação da nota fiscal eletrônica e do avanço tecnológico e de gestão das administrações tributárias.
Esta imunidade do ICM modificou o modelo de desenvolvimento previsto pelo constituinte originário, que visava a substituição de importações beneficiando, assim, os produzidos internamente e incentivando a exportação de produtos elaborados, que geram renda, emprego, desenvolvimento tecnológico e maiores volumes de divisas para o nosso país.
Assim, não faz sentido a União continuar sustentando estas políticas que esgarçam a relação federativa e beneficiam apenas poucas empresas que deixam de contribuir para com o país que lhes fornece graciosamente as riquezas naturais do solo e subsolo bem como a necessária infraestrutura, que, aliás, via de regra, é a mesma utilizada pelo produtor que abastece o mercado interno e que sofre a incidência de, muitas vezes, elevadas alíquotas.
João Pedro Casarotto, Auditor-Fiscal do RS, aposentado. Jun/2020