As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade dos autores, não refletindo o posicionamento da Entidade.
Por João Carlos Loebens – Auditor Fiscal da Receita Estadual
De tanto aparecer na tevê, parece que já se tornou inquestionável a afirmação de que o “agro é pop”. Como seres humanos racionais que somos, que usam a razão e o raciocínio (ou pelos menos tem a possibilidade de usarem quando quiserem), seria recomendável pensar sobre a afirmação recebida pela imprensa para avaliar se é verdadeira, parcialmente verdadeira ou falsa.
Um primeiro cuidado que se deve ter é avaliar se por acaso não há outra afirmação oculta ou embutida na frase a ser avaliada. Na afirmação “o agro é pop”, poderíamos pensar que há outra afirmação embutida? Na afirmação “o agro é pop”, a frase tem embutida a mensagem de que o agro é pop “para todos”. Será mesmo que o agro é pop para todos?
Não resta dúvida que para alguns o agro é pop, a tal ponto que esse grupo se dispõe a pagar propaganda no horário mais caro do principal veículo de comunicação do país. Quem seriam os que pagam essa propaganda caríssima na imprensa?
Ao mesmo tempo vemos as tristes notícias de que temos cada vez mais pessoas passando fome, chegando a milhões de brasileiros nessa situação. Caberia a pergunta: para essas pessoas que não conseguem o suficiente para se alimentar, o agro também seria pop?
Aparentemente, ou racionalmente, se poderia afirmar que é incompatível um contexto de “o agro é pop” com milhões de pessoas passando fome. A agricultura familiar é a que mais emprega no setor agro e a que mais gera alimentos para as pessoas, e nesse sentido, talvez seja a agricultura familiar a parte mais pop do agro.
Uma segunda questão importante. A geração de riqueza e empregos estão entre os principais objetivos econômicos. O agro (produção primária) tende a gerar poucos empregos. Já em termos de geração de riqueza, a produção primária também tende gerar valores menores, sendo o beneficiamento, a industrialização a maior geradora de valor agregado (riqueza) e de empregos.
Em décadas passadas, o Brasil chegava a ser mencionado ou lembrado quando se falava na industrialização mundial. A partir dos anos 80, especialmente com as políticas macroeconômicas de abertura comercial e não tributação das exportações dos produtos primários (lei Kandir em 1996), verificou-se uma expressiva desindustrialização do país. A não tributação do agro na exportação foi fundamental para tornar o agro pop para as grandes empresas exportadoras, quase todas estrangeiras.
Segundo cálculos do CONFAZ, o valor das perdas dos Estados e Municípios com a renúncia fiscal/não tributação dos produtos primários na exportação (Lei Kandir) no período de 1996 a 2017 é de R$ 637 bilhões. Ou seja, se a Lei Kandir não tivesse sido criada, os Estados e Municípios brasileiros teriam tido o ingresso de 637 bilhões em seu caixa. Como o dinheiro não desaparece, somente troca de lugar, esses 637 bilhões deixaram de entrar no caixa dos Estados e Municípios e ingressaram principalmente no caixa das grandes empresas exportadoras do agro.
No caso do RS, conforme dados disponíveis no Receita Dados, a perda dos Estados e Municípios no período de 1996 a 2020 foi de R$ 143 bilhões. Apesar da União ter prometido, por ocasião da aprovação da Lei, o ressarcimento das perdas aos Estados e Municípios, a União ressarciu somente 27 bilhões dos 143 bi de perdas, totalizando uma perda líquida de R$ 115 bilhões. Ou seja, se a União cumprisse o prometido de ressarcir as perdas, e considerando que a atual dívida do RS está em torno de R$ 70 bilhões, a dívida do RS estaria paga e ainda teríamos um crédito a receber de R$ 45 bilhões.
Um exemplo prático da desindustrialização e perda de empregos, renda e riqueza decorrente da renúncia fiscal/não tributação da produção primária exportada: a planta industrial de produção de óleo de soja foi desativada, passamos a exportar soja em grão e a importar óleo de soja. Essa mesma prática se aplica para os demais produtos primários, como boi em pé, minério de ferro e mesmo o petróleo bruto. Não faz sentido exportarmos soja em grão, minério de ferro ou barril de petróleo cru, isento de impostos, gerando empregos e riqueza no exterior, para depois importar óleo de soja, chapas de aço, gasolina e diesel.
Sem dúvida que a produção de alimentos (agro) é importante e fundamental, mas também é verdade que essa produção deve alimentar as pessoas que produzem as riquezas do país e do agro. Além disso, também é importante e fundamental efetuar a industrialização desses produtos, que é o processo que mais gera empregos, renda e riqueza.
Nesse sentido, a industrialização é bem mais pop que o agro.