Quem ganha mais de 200.000 reais por mês no Brasil pode estar pagando imposto de renda como se ganhasse apenas 60.000 reais. A conta foi feita por associações de auditores fiscais que promovem neste ano eleitoral uma campanha para mudar a forma como os impostos são cobrados no país.
Promovido pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), o movimento Reforma Tributária Solidária, menos Desigualdade divulga em junho um diagnóstico de 800 páginas sobre o sistema de tributos brasileiro. O levantamento deve desembocar em propostas de reforma em agosto, com vistas a influir na eleição.
Para reforçar seu argumento por reformas, o movimento analisou as 27,5 milhões de declarações de imposto de renda apresentadas em 2016 e identificou que quem ganha mais de 240 salários mínimos mensais (naquele ano, o valor do salário mínimo era de 880 reais) está isento de pagar imposto sobre 70% desse valor. Isso porque cerca de 70% da renda deles é declarada como lucros ou dividendos, que são isentos de pagamento via imposto de renda. A isenção vale desde 1996 e foi criada para evitar uma cobrança dupla, pois as empresas já são tributadas com base em seu lucro antes de distribuir os dividendos aos sócios. Mas, para Charles Alcântara, presidente da Fenafisco, a tese da bitributação é “insustentável”.
“Não se pode alegar que a empresa já pagou o tributo. O lucro e o dividendo têm o mesmo valor para um sócio do que o salário tem para mim. Não existe bitributação, porque são dois entes distintos, a pessoa jurídica e a pessoa física”, argumenta o auditor. É essa uma das mensagens que os auditores têm promovido país afora. O grupo lançou um manifesto em abril para dar início à mobilização e, desde então, eles circulam pelo Brasil para promover suas ideias. Alcantara já passou por quatro dos oito estados pelos quais vai viajar pelo movimento — de Rondônia, ele planejava seguir para Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Segundo o auditor, as propostas de reforma tributária atualmente discutidas não reformam o sistema, porque são apenas pontuais. “A principal doença do sistema tributário brasileiro é a regressividade”, critica, porque, acima de 40 salários mínimos, o imposto começa a ser regressivo, por causa da distorção dos lucros e dividendos. A maior alíquota efetiva do imposto de renda no Brasil é de 11,8% — ela corresponde à faixa entre 30 e 40 salários mínimos. A partir desse ponto, a alíquota efetiva vai caindo até chegar a 5,1%, “justamente para os indivíduos com renda superior a 320 salários mínimos mensais”, diz a pesquisa.
Outros números para ajudar a entender a distorção apontada pelos auditores: nas faixas de renda superiores a 320 salários mínimos mensais, a base de cálculo para imposto representa apenas 7,7% da renda total declarada; já nas faixas de rendas inferiores, entre um e cinco salários mínimos, corresponde a mais de 60%. “Apenas Brasil e Estônia não tributam essa renda. Todos os países capitalistas desenvolvidos tributam”, argumenta Alcântara, destacando que os 39 artigos que vão compor o diagnóstico a ser lançado em junho têm como meta localizar a cobrança de impostos no Brasil dentro do contexto mundial.
Promessas
O Governo Michel Temer promete desde o ano passado a apresentação de uma proposta de minirreforma ao Congresso Nacional, mas o tumulto político e a intervenção federal no Rio de Janeiro— que trava a agenda legislativa por impedir a votação de propostas de emenda à Constituição — não permitiram avanços até agora. A principal mudança seria a simplificação da cobrança do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), contribuições que incidem sobre a receita das empresas e são usadas para financiar políticas sociais.
Uma outra proposta já tramita no Congresso Nacional e prevê aumento da taxação da renda, que seria compensando com uma redução da carga tributária sobre o consumo, como sugerem os auditores fiscais. Ela também transformaria uma dezena de tributos (IPI, IOF, CSLL, PIS, Cofins, Salário-Educação, Cide, ICMS e ISS) em apenas dois: um sobre valor agregado, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e outro chamado Imposto Seletivo, que incidiria sobre bens e serviços como combustíveis, cigarros e energia elétrica.
Relator do plano na Comissão Especial da Reforma Tributária, o deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) diz que a proposta é de cobrança progressiva. “Vamos aumentar a tributação dos que ganham mais e diminuir a dos mais pobres, fazer com que o Brasil comece a ter um sistema tributário harmonizado aos sistemas tributários europeu, canadense e americano”, prometeu em janeiro, quando o projeto era discutido com mais intensidade. Desde então, a reforma segue como promessa.
Fonte: El País