Para garantir benefícios, servidores em funções de liderança com condições de deixar a ativa tendem a ir para a inatividade
Com votação final prevista para terça-feira (22), no Senado, a reforma da Previdência deve ter impacto na gestão do serviço público estadual. Servidores que por anos ocuparam postos de liderança e gerência tendem a ser impelidos a pedir aposentadoria, por receio de perder benefícios.
Sindicatos do funcionalismo e a Secretaria de Planejamento do Estado reconhecem a debandada, mas têm avaliações divergentes sobre seu tamanho. Hoje, quase 8 mil funcionários civis e militares estão em condições de se aposentar e que, por continuarem na ativa, recebem algum tipo de adicional de permanência do Estado.
O principal motivo de atenção em torno desse grupo é um dos pontos da proposta de emenda à Constituição (PEC) em discussão no Senado, que prevê o fim da incorporação de vantagens de caráter temporário às aposentadorias.
Embora Estados e municípios tenham ficado fora do texto, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) sustenta que, nesse caso, todos os servidores serão atingidos de forma automática. A interpretação é questionada por sindicalistas, que acusam o discurso oficial de “terrorismo” e dizem que os colegas temem o pacote que o governo Eduardo Leite planeja enviar para a Assembleia Legislativa nas próximas semanas.
– As pessoas estão se aposentando agora para evitar prejuízos depois, mas essa briga vai acabar na Justiça – prevê o presidente da Federação Sindical dos Servidores (Fessergs), Sérgio Arnoud.
Na dúvida, entidades estão orientando filiados a encaminharem os papéis. Na área da segurança, pelo menos 2,3 mil PMs cumprem os requisitos para ingressar na reserva. Eles recebem uma gratificação específica de permanência, que Leite quer reduzir.
– Nos últimos dias, tivemos mais de 700 pedidos protocolados na diretoria administrativa da Brigada Militar. Calculamos que o número pode chegar a 2 mil. Considerando que 9 mil policiais atuam na linha de frente, é muita gente. Quem vai aplaudir é o crime – diz José Clemente da Silva Corrêa, presidente da Associação Beneficente Antonio Mendes Filho (Abamf), de cabos e soldados da BM.
O contingente de inativos contará, inclusive, com o comandante-geral da corporação, coronel Mario Ikeda, como adiantou a colunista Rosane de Oliveira na semana passada. Para o presidente da Abamf, a decisão do oficial de 53 anos comprova a gravidade da situação:
– O comandante é um servidor como qualquer outro. E ele está certo no que está fazendo. Todos temos de garantir nossos direitos. Não temos alternativa.
Entre professores, o sentimento é o mesmo. À frente do Cpers-Sindicato, Helenir Schürer diz que as consultas à assessoria jurídica da entidade se multiplicaram.
– A falta de professores na rede estadual é crônica. Estamos em outubro e está faltando gente. Infelizmente, isso vai piorar e muito diante dos ataques que estamos sofrendo – lamenta Helenir.
“Corrida por aposentadorias era esperada”, diz secretária de Planejamento
Titular da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos afirma que o governo do Estado já esperava a reação do funcionalismo frente às mudanças previdenciárias:
— É natural. Sempre que há reforma, há corrida por aposentadorias. Sabíamos que isso iria ocorrer. O que nos surpreendeu foi perceber que os sindicatos se deram conta só agora de que o fim das incorporações terá aplicação imediata.
Embora reconheça o risco de debandada, a secretária faz ressalvas. Ela diz que, dificilmente, os 8 mil aptos a se aposentar buscarão esse destino de forma imediata por, pelo menos, três razões (leia mais no fim do texto). Ela também discorda de que PMs e professores sejam amplamente afetados.
— Vai haver uma corrida, sim, mas a maioria dos servidores não recebe vantagens que podem ser incorporadas. Vai se aposentar quem está na gestão, em atividades-meio. Eu mesma vou perder muita gente boa aqui — diz.
Nos primeiros 17 dias de outubro, chegaram até a Secretaria de Planejamento 577 pedidos. Como as solicitações são feitas nos órgãos de origem, leva alguns dias até a contabilização geral. Além disso, a tendência é de que, com a aproximação da votação, o volume aumente. Ainda que nem todos deixem suas funções, Leany prevê dificuldades, porque as saídas serão concentradas em curto prazo. Em razão de dificuldades financeiras e de limitações legais, será impossível repor as vagas na mesma velocidade.
— Vamos ter de dar conta com as pessoas que temos — sintetiza.
A secretária reconhece que há forte resistência dos servidores às alterações federais e ao pacote do governo Eduardo Leite, que replica as mudanças na Previdência. Apesar disso, reafirma que não há saída.
— Ou a gente faz o que tem de ser feito, ou o Estado entra em colapso — adverte a secretária.
A polêmica em quatro pontos:
- 1) Até agora, havia entendimento de que as mudanças previstas na reforma da Previdência (PEC nº 6 de 2019) não atingiriam Estados e municípios.
- 2) Mas, segundo a PGE, um ponto atingirá a todos, relacionado ao artigo 39 da Constituição, que trata da remuneração dos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.
- 3) Se a PEC for aprovada, o artigo receberá novo item: “É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo”.
- 4) Segundo a PGE, isso valerá para todos os servidores, civis e militares. Exemplo: quem tem função gratificada (FG) há cinco anos consecutivos ou há 10 intercalados não poderá mais levar o valor para a aposentadoria. O mesmo vale para quem recebe a gratificação de incentivo às atividades sociais, administrativas e econômicas (Gisae), paga em diferentes secretarias.
Categorias mais afetadas, de acordo com o governo
– A maioria dos servidores com vantagens “incorporáveis” atua nas chamadas “atividades-meio” (de gestão), nas mais diversas áreas.
– Professores e brigadianos só serão afetados nesses casos (exemplos: direção de escola, comando de batalhão, etc.).
O que dizem os sindicatos
Argumentam que há temor generalizado de perda de direitos, não só pela reforma federal, mas também devido às propostas do governo Eduardo Leite, entre as quais a redução de gratificações de permanência.
Prometem ir à Justiça, mas informam que, na dúvida, os servidores que podem já estão encaminhando pedidos de aposentadoria.
O que pode atenuar a debandada, segundo o governo
– Nem todos os aptos a se aposentar ganham vantagens de caráter temporário que seriam incorporadas (número não divulgado). Nesses casos, poderá ser mais vantajoso seguir trabalhando e recebendo abono de permanência (que é diferente das gratificações citadas acima). O abono é pago a todos os servidores civis que poderiam estar em casa e prosseguem no exercício de suas funções, de forma indistinta (são 5.641 pessoas). O adicional tem valor igual ao desconto da Previdência no contracheque.
– O governo Leite pretende cobrar alíquotas de contribuição dos aposentados que ganham até R$ 5,8 mil (teto do INSS). Hoje eles não contribuem. Se a proposta for aprovada, aqueles que se aposentarem terão de avaliar se vale a pena, pois perderão o abono e poderão ser descontados da Previdência.
Fonte: Zero Hora