Congresso Luso-Brasileiro abre com Portugal, Brasil e UE debatendo o futuro dos impostos

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Por Cledivânia `Pereira | Febrafite


Três visões complementares sobre os desafios fiscais contemporâneos marcaram a palestra magna de abertura do 9º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais, na tarde desta segunda-feira (16), em Coimbra. Com foco em crescimento econômico, descentralização fiscal e reforma tributária, o encontro reuniu o Ministro das Finanças de Portugal, Professor Doutor Joaquim Miranda Sarmento; o economista Benedikt Herrmann, do Joint Research Center da Comissão Europeia; e o Secretário Especial para a Reforma Tributária do Brasil, Bernard Appy. A mesa inaugural deu o tom do Congresso, reafirmando o compromisso com a construção de sistemas fiscais mais simples, justos e alinhados ao desenvolvimento sustentável.

Joaquim Miranda Sarmento: produtividade e modernização fiscal em Portugal

O Ministro das Finanças de Portugal abriu a mesa com um diagnóstico direto: a baixa produtividade é hoje “o maior obstáculo ao crescimento sustentado da economia portuguesa”. Embora o país tenha avançado em várias frentes, Miranda Sarmento alertou que Portugal “cresce menos do que deveria quando comparado a países com níveis semelhantes de desenvolvimento”. A agenda dos próximos quatro anos, segundo ele, estará centrada em “enfrentar dez estrangulamentos estruturais”, entre eles a escassez de capital humano qualificado, os altos custos de contexto, a rigidez do mercado de trabalho, o baixo nível de inovação e o tamanho reduzido das empresas.

Sarmento também apontou limitações do sistema fiscal, caracterizado por instabilidade normativa, complexidade excessiva e litígios demorados. As taxas marginais de IRS e IRC, superiores às da média europeia, também foram citadas como fator de desincentivo ao investimento. Em resposta, “o governo aposta em uma agenda de simplificação”: redução do IRS e IRC, criação de um regime geral de taxas, combate à fraude e à evasão, e fortalecimento da administração fiscal. Para o ministro, o sucesso dessa estratégia depende de um Estado mais eficiente, regras estáveis e políticas que valorizem o capital humano.

Benedikt Herrmann: descentralização fiscal e crescimento local

O economista Benedikt Herrmann, da Comissão Europeia, trouxe ao debate uma abordagem voltada para o fortalecimento dos territórios. Ele argumentou que “aumentar impostos não é uma solução viável para ampliar a arrecadação” e que o foco deve estar em “gerar crescimento econômico inclusivo e incentivar o cumprimento voluntário das obrigações fiscais”. Sua visão passa por compartilhar parte da arrecadação dos impostos federais ou estaduais com os municípios, criando incentivos reais “para que administrações locais impulsionem o desenvolvimento econômico e melhorem os serviços à população”.

Com dados empíricos da China e da Ucrânia, Herrmann mostrou que a descentralização fiscal pode elevar a eficiência na gestão pública e aumentar a arrecadação per capita. Além dos efeitos econômicos diretos, “o modelo fortalece o vínculo entre cidadãos e administração local”, uma vez que os contribuintes tendem a aceitar melhor a carga tributária “quando percebem retorno concreto em infraestrutura e serviços”. Para Herrmann, essa é uma estratégia promissora para países como Portugal e Brasil, que buscam reverter desigualdades regionais e atrair mão de obra qualificada para áreas com potencial pouco explorado.

Bernard Appy: a reforma tributária brasileira como virada de chave

Fechando a mesa, o secretário especial Bernard Appy apresentou os fundamentos que levaram à aprovação da reforma tributária brasileira após décadas de impasses. Ele destacou que a principal motivação para a mudança foi o “alto grau de distorções do sistema atual, que compromete a competitividade da economia, desorganiza cadeias produtivas e impõe um custo elevado às empresas”. Com um modelo fragmentado, calcado na tributação na origem e na disputa entre entes federativos, o sistema vinha perdendo eficiência, “gerando uma guerra fiscal que já representa 2% do PIB” e não entrega resultados concretos em termos de desenvolvimento.

Segundo Appy, o novo modelo representa uma mudança estrutural ao unificar a tributação sobre o consumo e adotar a cobrança no destino. Com base ampla de incidência e desenho técnico cuidadoso, a proposta simplifica regras, elimina distorções e tem potencial para melhorar o ambiente de negócios no país. O secretário estima que, em uma década, a reforma poderá reduzir o custo das ineficiências em até 10% do PIB. Um dos méritos do projeto foi justamente “o esforço de construção coletiva: contou com ampla participação da sociedade civil, de auditores fiscais e de representantes do setor privado”, e foi desenhado para manter o bolo tributário atual .

Appy ressaltou que o momento político atual também foi decisivo. “A percepção de esgotamento do sistema tributário foi compartilhada por estados e empresários, que compreenderam que os prejuízos provocados pela complexidade e pelos benefícios fiscais superavam as supostas vantagens”. A resistência de setores produtivos e de governos estaduais foi superada à medida que ficou evidente que a reforma favorece o “crescimento econômico” e a ampliação das receitas a médio e longo prazo. 

FEBRAFITE apresenta a Bernard Appy proposta de Lei Orgânica das Administrações Tributárias

Ao final da Palestra Magna de abertura do 9º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais, o presidente da FEBRAFITE, Rodrigo Spada, anunciou por videoconferência a conclusão da proposta de redação da Lei Orgânica das Administrações Tributárias. O anúncio foi feito diretamente ao Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, e aos participantes presentes na plenária.

Spada destacou que a proposta foi construída a partir de uma trajetória de diálogo técnico e respeito institucional estabelecida ao longo do processo da reforma tributária. “Durante um processo que começou desacreditado, construímos uma relação de confiança com a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária. Deixamos aqui nossa reverência ao secretário Bernard Appy. Agora, damos um novo passo. Nossa comissão técnica elaborou uma proposta de Lei Orgânica Nacional das Administrações Tributárias, com base técnica e de forma colaborativa, que já conta com o apoio de entidades representativas dos fiscos federal e municipal”, afirmou.

O presidente da FEBRAFITE também solicitou a abertura de um canal de diálogo com o governo federal para a apresentação formal da proposta. Caso o Executivo considere o texto pertinente e de interesse da União, a expectativa é que possa encaminhá-lo ao Congresso Nacional. “Nossa carreira, essencial ao funcionamento do Estado, precisa de um marco legal que garanta estabilidade, base técnica e compromisso republicano”, concluiu Spada.

O que vem a seguir no Congresso

O Congresso segue até quarta-feira (18), com uma programação intensa de painéis, debates e apresentações de trabalhos acadêmicos. Os destaques da terça-feira (17) incluem temas como tributação e mudanças climáticas, fraude e evasão fiscal, tributos municipais e a convenção da ONU sobre fiscalidade. Já na quarta (18), entram em pauta a economia digital, a inteligência artificial nas administrações tributárias, os desafios aduaneiros e a relação entre fiscalidade e justiça. O evento será encerrado com a leitura da “Carta de Coimbra” e o anúncio das cidades-sede das próximas edições do Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais.

O Congresso é uma iniciativa conjunta da APIT (Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira, de Portugal), da FEBRAFITE (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais), da Unafisco Nacional (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) e da Law Academy.

Confira a programação completa | congressolusobrasileiro.org.br

➡️ Veja o primeiro dia do 9º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais: 9.° Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais


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