Marcelo Antunes – MTE 8511 | Presidência – Foto: Caco Argemi – ALRS
Até a última terça-feira (1º/8) a Assembleia Legislativa havia registrado o recebimento de 23 moções de apoio aprovadas por câmaras de vereadores gaúchas à solicitação da presidência da Casa Legislativa para que o estado busque a inclusão da temática da Lei Kandir na renegociação da dívida do Estado com a União.
A Lei Complementar 87/1996 (iniciativa do governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, PSDB) isentou, a partir de 1996, do pagamento do ICMS os produtos e serviços destinados à exportação, causando, pela falta de uma regulamentação que determinasse a forma de compensação aos estados exportadores como o RS, perdas significativas na arrecadação tributária gaúcha.
Segundo registrado na “Nota Técnica e Demonstrativo das Desonerações Fiscais do RS de 2015”, publicada na internet pela Secretaria da Fazenda, entre 1996 e 2015 os valores, corrigidos pelo IGP-DI, resultariam em um crédito para o Estado no montante de R$ 43,4 bilhões. Já o saldo da dívida com o governo federal em 31 de dezembro de 2016 totalizou R$ 57 bilhões. “Se formos fazer o encontro de números , o estado tem uma redução mais do que significativa em seu passivo. São recursos que podem e devem ser utilizados para os necessários investimentos públicos e pagamento em dia dos servidores, investimentos em saúde, educação e segurança”, opina o presidente da Assembleia, deputado Edegar Pretto (PT), destacando que as compensações representam uma real possibilidade de se trazer recursos importantes para o enfrentamento da crise financeira pela qual o estado atravessa.
Os municípios também perderam – e perdem – recursos com a medida, pois têm direito a 25% do que é arrecadado de ICMS. Porto Alegre, por exemplo, tem deixado de receber R$ 91,1 milhões por ano, enquanto a Uruguaiana caberiam R$ 7 milhões e à pequena Salvador do Sul, R$ 1,1 milhão, por exemplo.
Nas moções, todas lidas em plenário, os documentos apontam, em linhas gerais, que, diante do cenário de caos econômico sustentado pelo governo gaúcho, a compensação – mesmo que daqui para frente – das perdas sofridas pelo RS nos últimos 20 anos garantiria benefícios ao Rio Grande do Sul, visto que os valores corrigidos da renúncia fiscal decorrente desta legislação, no mesmo indicador histórico de indexação da dívida, correspondem a cerca de 76% do saldo que o estado deve à União, valor por demais significativo para ser ignorado. As moções serão agora encaminhadas à Comissão Especial da Câmara dos Deputados que está tratando do tema, visto que o STF deu como prazo até dezembro para que o governo regulamente lei específica que preveja uma forma de compensação aos estados exportadores.
Os legislativos municipais que encaminharam as proposições à Assembleia são os de Porto Alegre, Erechim, Novo Hamburgo, Canguçu, Nova Roma do Sul, Santana do Livramento, Esteio, Vila Maria, Candiota, Viadutos, Sapucaia do Sul, Brochier, Cachoeira do Sul, Canoas, São Borja, São Francisco de Paula, Campo Bom, São José do Norte, Nova Santa Rita, Venâncio Aires, Estrela, Butiá e Nonoai.
Regime de Recuperação Fiscal
Em contraste ao direito do RS em ter compensadas suas perdas de receitas de ICMS por conta da exoneração às exportações, o governo gaúcho optou por outra estratégia e defende a adesão do estado ao Regime de Recuperação Fiscal proposto pela União, que cria mecanismos de refinanciamento de passivos tendo como contrapartidas a adoção de um plano de recuperação com medidas – privatizações de empresas públicas, entre elas – e vedações impostas pelo governo federal. Ao estado que aderir ao plano, a União concederá a suspensão do pagamento da dívida por até três anos, podendo ser ser prorrogado por mais três anos, caso em que as prestações mensais serão gradativamente elevadas até atingir o seu valor integral.
Porém, como não há perdão de dívida, apenas postergação de pagamentos, os valores não pagos serão acumulados, sujeitos aos encargos contratuais e acrescidos ao saldo devedor ao final do período de redução das prestações. Como resultado, o estoque da dívida aumentará muito: apenas nos primeiros três anos serão cerca de R$ 25 bilhões a mais. Ao final do Regime de Recuperação o estado terá que pagar prestações com valores maiores que os atuais. Além de aumentar consideravelmente a sua dívida, o RS fica obrigado a realizar privatização de suas empresas dos setores financeiro (Banrisul), de energia (CEEE, CRM e Sulgás), de saneamento entre outras medidas que na prática congelam o orçamento estadual e o virtual abandono das políticas públicas.
Os críticos à medida afirmam que, com pequenas diferenças, a receita já foi aplicada e resultou em fracasso. Em 1996, quando o então governador Antônio Britto (PMDB) federalizou a dívida gaúcha e foi firmado um contrato de refinanciamento com o governo Fernando Henrique Cardoso dois anos depois, o passivo era de R$ 9 bilhões. Desde então, pelas condições aceitas naquele período, o RS privatizou empresas, já pagou R$ 25 bilhões e o saldo do passivo mais que dobrou.
Decisão do STF
Depois de mais de duas décadas da edição da Lei Kandir, em novembro de 2016 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu dar razão à demanda subscrita pelo estado do Pará mais 15 unidades da federação em 2013, dentre elas o RS, estipulando prazo de 12 meses para a União estabelecer critério da compensação dos estados exportadores. A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) alegou que a não existência de uma lei complementar que regulamentasse a compensação pelas perdas de receita decorrentes da desoneração de produtos primários e semielaborados para a exportação trouxe sérios prejuízos financeiros aos estados. A decisão do Supremo delibera ainda que, ao final do prazo, se não houver a aprovação de lei complementar, o Tribunal de Contas da União deverá realizar os cálculos relativos à compensação.