Por Juracy Soares e Rodrigo Spada | Estadão
Em artigo publicado no Estadão, o presidente da Febrafite Juracy Soares e o presidente da Afresp, Rodrigo Keidel Spada, alertam que apesar do descrédito natural, se a pauta da reforma tributária vai avançar, não podemos perder as esperanças de começarmos a resolver esse verdadeiro caos tributário do País. Leia aqui.
A esperança diante do caos fiscal
O cenário econômico atual tem todos os ingredientes para que os estados se movimentem na direção de uma reestruturação do Sistema Tributário Nacional. Contudo, é natural duvidarmos que algo que se discute há décadas tenha uma definição positiva, uma vez que os atores mudam, mas os motivos para a manutenção desse cabo de guerra permanecem.
No Brasil, há um conjunto de ações de sabotagem praticadas pelos entes federados. Além dos estados e municípios se digladiarem entre si no jogo da ‘guerra fiscal’, é preciso reconhecer a deslealdade no relacionamento da União com os entes subnacionais, com diversos exemplos dos chamados ‘dribles’ com objetivos claros de majorar contribuições, sob o argumento de ajuste fiscal, já que essas não são repassadas aos Estados.
Ao mesmo tempo em que a União tira de si a responsabilidade de transferir recursos via fundos constitucionais, os estados são caloteados em função de promessas de ressarcimentos jamais cumpridos, nesse caso, deixando de arrecadar também via tributação.
A exemplo da exportação dos produtos primários e semielaborados desonerados pela Lei Kandir. Na outra ponta, apesar de o Brasil ser o detentor do maior banco de dados de operações fiscais do mundo, o SPED, o qual concentra informações de todas as notas fiscais eletrônicas emitidas pela maioria das empresas do país, não se consolida um ambiente bem leal entre – União, Estados e Municípios, gerando uma dificuldade no estabelecimento de uma saudável relação fisco-contribuinte.
Há um verdadeiro entrincheiramento entre as secretarias de receitas. União, estado e município se acomodam, com o objetivo de ‘preservar’ os seus números, especialmente os de concessão de privilégios fiscais a grandes conglomerados corporativos.
No lado das empresas, em especial os representantes dos chamados grandes contribuintes, aqueles que se beneficiam dos mais diversos tipos de benesses concedidas, o discurso público em favor de uma ‘reforma tributária’ não se alinha às ações de bastidores.
Salvo pouquíssimas exceções, o mesmo empresário que pela manhã defende mudanças no modelo atual, estará à tarde no gabinete do governador ou deputado pedindo mais privilégios fiscais. Para esse pequeno, mas poderoso grupo de empresários, o cenário parece estar favorável, muito embora no médio e longo prazo está cada dia mais comprovado que essa sistemática é menos sustentável quanto parece.
A questão da concessão de privilégios fiscais, por exemplo, não se sustenta quando exposta à exigência de transparência, prevista na Constituição Federal, da qual exige publicidade dos atos da Administração Pública e deveria atender aos requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Apesar do descrédito natural, se a pauta vai avançar, não podemos perder as esperanças de começarmos a resolver esse verdadeiro caos tributário do País.
Em trâmite na Câmara dos Deputados, a PEC 45/2019 de autoria do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP) propõe um movimento disruptivo no atual sistema tributário, introduzindo algumas medidas de simplificação, mas que já resultaram em manifestações de preocupação por parte de governadores, prefeitos e seus secretários de fazenda e finanças.
A proposta mal começou a tramitar no Congresso e já assustou os recém-empossados Secretários de Fazenda que, agora, se organizam para apresentar propostas à reforma.
Apesar do jogo empurra-empurra, notadamente vivenciamos um momento único na história do Brasil, em que diversos setores da sociedade civil concordam que devemos somar esforços em busca de uma proposta de reforma convergente, destacando, nesse sentido, três importantes pontos.
O primeiro se refere ao custo de compliance, que será mais elevado para as empresas e à administração tributária, tendo em vista que a transição PEC 45 eleva esse item, uma vez que obrigará a apuração – em paralelo – com o novo tributo (IBS) adicionando os atuais tributos sobre consumo (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS).
Outro ponto é sobre o risco de fraude, pois a PEC prevê a mudança de paradigma para o crédito financeiro, ‘no qual todo o imposto incidente sobre bens e serviços utilizados na atividade empresarial gera crédito, com restrições apenas à apropriação de crédito relativo a bens e serviços adquiridos para uso pessoal dos sócios ou empregados da empresa e não relacionados à atividade empresarial’.
O receio é de que, sem a previsão de vinculação do crédito do adquirente ao pagamento, as fraudes no sistema de creditamento se avolumem.
Há reservas pelo fato de que a estrutura de governança do comitê gestor não está na redação da PEC, bem como a divisão de poder deliberativo. Essa cautela poderia mitigar o risco de problemas nas relações interfederativas em relação ao novo tributo.
Contudo, se não houver uma mudança de postura, nada vai mudar. Continuaremos a ter um ambiente hostil à colaboração, muito mais voltado à sabotagem mútua e a inutilidade do potencial humano e tecnológico desenvolvido.
Vamos continuar enfrentando esse cenário de guerrilha permanente, que traz benefícios (privilégios) para poucos, aperfeiçoando um sistema que é primoroso ao transferir renda dos pobres para os ricos e que aperta cada vez mais o torniquete nos pequenos – sem prestígio ou poder econômico ou político – aqueles que são obrigados a manejar um conjunto de milhões de artigos, parágrafos, alíneas e incisos.
Esses e outros temas da complicada relação fisco-contribuinte, alinhados ao momento vivido pela nação que exige mudanças estruturais, serão debatidos no 4.º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais que acontece nos dias 16 a 19 deste mês, na capital paulista.
*Juracy Soares, doutor em Ciências Jurídicas (UMSA/Arg), mestre em Controladoria pela UFC, graduado em Direito e Contabilidade pela UFC, auditor fiscal e presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite).
*Rodrigo Spada, presidente da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp), formado em Direito pela Unesp, em Engenharia de Produção na UFSCar, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA/USP.