O jornal Correio Braziliense publicou, na última sexta-feira, 19, artigo do diretor de Estudos Tributários da Febrafite, Juracy Soares, sobre o rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela Standard & Poors, divulgado na última semana. No texto, ele analisa o comportamento da mídia e o jogo do governo federal pela aprovação da reforma da Previdência.
Standard & Poors: muito barulho por quase nada
Presenciamos na última semana os veículos de comunicação do país em polvorosa com o anúncio da Standard & Poors, uma das maiores agências de classificação de risco, de que o crédito soberano do Brasil passou de BB para BB-, classificando o país como uma escolha mais arriscada para investimentos. Em setembro de 2015, a mesma agência rebaixou a nota do país de “BBB-” para “BB+”, no ápice da maior crise macroeconômica do Brasil, provocada pela grave crise fiscal, política e econômica iniciada em 2014.
Esperada pelo mercado financeiro, a notícia do rebaixamento faz parte do xadrez político para pressionar os parlamentares pela aprovação da reforma da Previdência Social. Até aí, ok. No entanto, a repercussão natural da pauta, devido à importância das transações no mercado financeiro para economia do país, não pode nos levar a ver o mundo pelo viés de um fenômeno bem conhecido pelos estudiosos da comunicação: a agenda setting.
Com formação na área de controladoria e auditoria tributária, reconheço a dificuldade para interpretar os releases cheios de tecnicismos encaminhados às redações. O fato é que essas notas são muitas vezes manipuladas pelos economistas visando favorecer interesses escusos. A própria agência Standard & Poors foi alvo de investigação por sua conduta irregular no passado. Nos EUA, a mesma agência fechou acordo com autoridades americanas e aceitou pagar multa de US$ 1,37 bi ao governo por ter enganado investidores sobre a qualidade de títulos de crédito. Esse foi um dos desdobramentos da crise dos “Subprimes” nos Estados Unidos, amplamente noticiada em fevereiro de 2015.
Como justificar a classificação de risco de crédito atribuída ao Brasil agora inferior às de países como Colômbia, Cazaquistão, Montserrat, Marrocos, Panamá, Peru e Filipinas, por exemplo? Para se ter uma ideia de como funciona essa “dinâmica”, recomendo o filme A Grande Aposta, em que a credibilidade dessas agências é explicada. O filme é inspirado em fatos e retrata bem esse cenário do sistema financeiro.
A história evidencia o conflito de interesses de agências de rating que, em vez de adotarem o papel para o qual originalmente foram criadas (análise de mercado), passam a especular adquirindo títulos. E ao manterem tais ativos em seu portfólio, deixam de reportar ao mercado fatos que deveriam chegar ao conhecimento de investidores que pagam por suas análises (e esperam receber opiniões isentas). Outro filme documentário magistral na missão de explicar como se dão esses conflitos de interesses entre empresas, bancos, agências de classificação de riscos é o “Os Caras mais Espertos da Sala”, que aborda a derrocada da Enron, então maior empresa do setor de energia dos EUA.
A queda da Enron, na verdade, se transformou em um “case” para ser estudado nas próximas décadas sempre que alguém quiser entender sobre como funciona o sistema financeiro em todo o mundo. Depois desses, sugiro, ainda, o fantástico “O Lobo de Wall Street”, com as interpretações hilárias de Di Caprio e Matthew McConaughey.
O que ocorre — e resta evidente para a maioria dos leitores — é que tudo é fortemente manipulado. Os interesses do capital devem ser atendidos a todo custo. É exatamente esse o cenário atual. O mercado quer a instalação da previdência privada de forma plena em todo o Brasil. Para tanto, é necessário desmontar a Previdência Pública, custe o que custar, inclusive passar por cima da validade e da eficácia das Emendas Constitucionais 20/98, 41/2003 e 47/2005.
Sou favorável a uma reforma da Previdência que cobre dos devedores, aprimore a gestão, acabe com o direcionamento de recursos da seguridade social para a União e rediscuta as renúncias fiscais. Não faz sentido atacar grupos de servidores públicos, taxando-os de “privilegiados” e apontando-os como o grande problema da Previdência no país, principalmente quando os acusadores são parlamentares que se aposentam com oito anos de “trabalho”.
Uma coisa tenho de concordar com o ministro Meirelles. A questão do rating é normal, faz parte do trabalho das agências e não devemos transformar essa medida em uma grande discussão política.
Antes de retirar diretos previdenciários de milhões de brasileiros, o governo poderia priorizar no ajuste fiscal: aprovar uma reforma tributária que, de fato, simplifique o sistema e promova a justiça fiscal; fomentar o combate às sonegações fiscais; cobrar efetivamente a dívida ativa da União; rediscutir os excessos de benefícios fiscais (R$ 56 bilhões por ano), entre outras medidas. Essas, sim, merecem todo espaço nas mídias do país. #Ficaadica
Por Juracy Soares, doutor em ciências jurídicas (UMSA/Arg), mestre em controladoria pela UFC, auditor-fiscal do Estado do Ceará e diretor de Estudos Tributários da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite)
Fonte: Febrafite