Representantes de procuradores e fiscais estaduais cobraram, nesta quarta-feira (24), disposição da União para resolver o impasse das perdas de estados com a Lei Kandir (Lei Complementar 87/96).
Para o vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e Distrito Federal (Anape), Telmo Lemos Filho, a revisão da Lei Kandir é uma questão central do federalismo brasileiro.
“Tem de haver uma sensibilização da União para resolver esse problema. E os estados também não podem impor solução com repercussões na macroeconomia”, disse, em audiência promovida pela comissão especial que analisa proposta de mudanças na Lei Kandir (Projeto de Lei Complementar 221/98).
A lei retirou o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) das exportações de produtos primários e semielaborados. O objetivo foi dar competitividade ao produto brasileiro. A desoneração, no entanto, atingiu em cheio as finanças dos estados e municípios, que recebem 25% do tributo estadual.
Segundo a Anape, quando a Lei Kandir foi promulgada, o percentual repassado aos estados pelas perdas com as desonerações chegou a 92%, mas o índice foi reduzido a 5,4% em 2013 e 10% em 2014, últimos anos com dados disponíveis.
A vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Maria Aparecida Lacerda, espera que deputados de diferentes estados se mobilizem para a recuperação do federalismo. “A maioria dos estados está com a faca no pescoço: um acúmulo de serviços enorme e sem receita.”
A Febrafite quer manter os critérios de partilha definidos pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) em 2008, que garante compensação maior para estados exportadores. A partir desse critério, Lacerda defende o cálculo das perdas apuradas e a criação de mecanismos para ressarcimento dos valores aos estados.
Calamidade fiscal
Telmo Lemos Filho declarou ainda que há uma ligação direta entre os estados em situação de calamidade fiscal – como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul – e os impactos da Lei Kandir. “São estados exportadores, que tiveram uma desoneração significativa por força disso.”
Tanto Lemos como Lacerda criticaram a Lei 159/17, que institui o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal. O texto concede uma moratória aos estados superendividados em troca de contrapartidas como a privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento, por exemplo.
Para Lacerda, a nova lei só adia os problemas dos estados. “Ela tem contrapartidas impossíveis e dispositivos altamente questionáveis”, sustentou.
Impacto municipal
O deputado Jose Stédile (PSB-RS) defendeu a necessidade de dados mais detalhados sobre os impactos da Lei Kandir nas receitas municipais. “Fala-se que os municípios perderam uns R$ 11 bilhões. Assim, unificamos a Nação com prefeitos e governadores apoiando mudanças na legislação.”
As perdas da lei têm impacto nos indicadores sociais e econômicos e gera fragilização de investimentos e políticas públicas, frisou o presidente da comissão especial, deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA). “Nosso desafio é estabelecer o regramento de onerações justas aos estados. Mas quem paga a conta?”, questionou.
Histórico
A Lei Kandir isenta de ICMS as exportações de produtos primários e semielaborados. Até 2003, garantiu aos estados o repasse de valores para compensar perdas decorrentes da isenção de ICMS, mas, a partir de 2004, a Lei Complementar 115, embora mantendo o direito de repasse, deixou de fixar o valor. Com isso, os governadores precisam negociar a cada ano com o Executivo o montante a ser repassado, mediante recursos alocados no Orçamento da União.
A Lei Kandir determina ainda que uma lei complementar normatize os repasses para compensar os estados com a perda da arrecadação tributária sobre a exportação de produtos e serviços. Essa norma, no entanto, ainda não foi regulamentada pelo Congresso. Por isso, em novembro passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Parlamento aprove, em 12 meses, a lei com essa compensação.
Edição – Marcelo Oliveira