Com salários atrasados e situação financeira agravada, Palácio Piratini deve repetir empréstimo bancário para garantir o pagamento natalino aos servidores do Executivo
A menos de 60 dias do fim do ano e correndo o risco de fechar 2019 com duas folhas de pagamento em atraso, o governo Eduardo Leite se prepara para parcelar o 13º salário dos servidores do Executivo mais uma vez. A decisão será tomada ao longo deste mês e, se confirmada, terá de passar pelo crivo da Assembleia Legislativa.
Caso a tendência se mantenha, será o quinto ano consecutivo de parcelamento via empréstimo bancário (leia mais detalhes no fim do texto).
Em 2018, o funcionalismo teve de escolher entre duas opções: ganhar a gratificação natalina no prazo, tomando dinheiro emprestado (do Banrisul ou de outros bancos), ou receber o valor fracionado, nos 12 meses seguintes. Em ambas as situações, o Estado assumiu o compromisso de bancar a conta e garantiu indenização de 1,5% ao mês sobre o saldo devedor, para cobrir juros e custos da operação.
De lá para cá, as condições financeiras se degradaram. Leite viu naufragar a venda de ações do Banrisul e, até agora, não conseguiu concluir a adesão ao regime de recuperação fiscal, que permitiria a antecipação de recursos das privatizações. Apresentou uma série de propostas de ajuste fiscal, mas ainda precisa de aval do Legislativo para aplicar as medidas.
Mesmo que os R$ 450 milhões do leilão do pré-sal ingressem em caixa até dezembro, que a arrecadação cresça em razão do IPVA e que o Estado lance novo programa de refinanciamento de dívidas tributárias, a verba amealhada tende a ser insuficiente para resolver todos os problemas – uma folha mensal custa R$ 1,5 bilhão em valores brutos. A previsão é de que os salários de outubro sejam quitados apenas em 13 de dezembro. Fora isso, ainda haverá os vencimentos de novembro e de dezembro pela frente.
— À medida que chegamos ao final do ano, sentimos com mais força os efeitos dos dois meses de atraso que herdamos (parte da folha de dezembro de 2018, mais a de janeiro de 2019). A situação vai convergindo para os dois salários (em atraso) de novo — admite o secretário da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso.
Não sendo possível pagar o 13º esse ano, a gente pretende oferecer, no mínimo, a mesma alternativa que o servidor tinha nos anos anteriores.
MARCO AURELIO CARDOSO
Secretário da Fazenda
Cauteloso, o economista evita fazer projeções, reforça a preocupação do governo com os servidores e com a regularização da folha e ressalta que ainda não foi batido o martelo sobre o parcelamento do 13º. Apesar disso, reconhece que o quadro “é bastante complexo”:
— Não sendo possível pagar o 13º esse ano, a gente pretende oferecer, no mínimo, a mesma alternativa que o servidor tinha nos anos anteriores (do empréstimo bancário). Isso vai ser decidido ao longo de novembro e terá de passar pela Assembleia.
O último projeto do tipo, de dezembro de 2018, foi aprovado por unanimidade no parlamento. Desde janeiro, contudo, o Banrisul responde a um processo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) devido à operação. Conforme o secretário, trata-se de solicitação de esclarecimentos. Cardoso nega que isso possa trazer dificuldades.
— Não conheço os detalhes, porque não sou parte (no processo), mas sei que é um pedido de esclarecimento e que não há nenhum impedimento (a novas operações). É uma preocupação normal, usual do órgão regulador — pondera o secretário.
Procurada por GaúchaZH, a assessoria do Banrisul informou que a direção não comentaria o assunto. A reportagem pediu à CVM para ter acesso à íntegra do processo, mas, até a última sexta-feira (1º), o pedido seguia em análise, sem definição.
Servidores projetam fim de ano de dificuldades
A Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (Fessergs) prevê um Natal melancólico para o funcionalismo. Conforme o presidente da entidade, Sérgio Arnoud, há “descontentamento geral” em relação ao pacote do governo Eduardo Leite, que propõe mudanças nas carreiras e nas regras previdenciárias, e à falta de perspectivas salariais. São 47 meses de parcelamentos no Executivo.
— Estamos no limite. Já sabemos que não vamos poder contar com o salário de dezembro, e é uma barbaridade ter de recorrer ao Banrisul outra vez para receber o 13º, mesmo que o governo pague os juros. A atual gestão está se valendo das mesmas alternativas da gestão anterior. Estamos à deriva — diz Arnoud.
Secretário da Fazenda nos últimos anos do governo de José Ivo Sartori, Luiz Antônio Bins defende o parcelamento via empréstimo bancário. Na avaliação dele, a atual gestão “não tem alternativa” diante do quadro crítico das finanças. Nesse cenário, Bins considera a opção “boa para o Estado, para o banco e para o funcionalismo”.
— O Estado pode até atrasar os salários de novembro e dezembro, mas não pode atrasar o 13º, porque geraria problemas lá na frente. Repetir a operação realizada com sucesso nos anos anteriores é uma forma de dar segurança aos servidores. Não fazê-la geraria um desgaste enorme — avalia Bins.
Histórico de parcelamentos do 13º
- O parcelamento do 13º via empréstimo bancário foi adotado na gestão de José Ivo Sartori em 2015, 2016, 2017 e 2018. Antes disso, Germano Rigotto (2003 a 2006) e Yeda Crusius (em 2007) já haviam se usado o mesmo expediente.
- Em 2015, o governo Sartori o propôs, e a Assembleia aprovou, pagar a gratificação natalina em seis parcelas, de junho a novembro de 2016, com correção, ou por meio de empréstimo bancário (o Banrisul ofereceu linha de crédito especial para os servidores). A maioria dos funcionários antecipou o recurso. Com a venda da folha de pagamento do Executivo para o próprio Banrisul (R$ 1,27 bilhão), a conta foi quitada de uma vez, em junho de 2016.
- De 2016 a 2018, o governo ofereceu duas alternativas aos servidores: receber o 13º no prazo, via empréstimo bancário (do Banrisul ou de outras instituições), ou receber o valor parcelado, dessa vez nos 12 meses seguintes (e não mais em seis meses, como em 2015). Em ambos os casos, o Estado assumiu o compromisso de bancar a conta e garantiu indenização de 1,5% ao mês sobre o saldo devedor, para cobrir juros e custos da operação.
- Em 2019, a tendência é de que a mesma operação se repita, sendo que o parcelamento do último 13º, de 2018, ainda está em andamento. No dia 31 de outubro, foi paga a décima parcela devida.
Por que a situação financeira piorou
- O atual governo assumiu a gestão com parte da folha de dezembro pendente, com toda a folha de janeiro em aberto e com as parcelas do 13º salário por pagar, além de dívida de R$ 1 bilhão na área da saúde.
- Ao longo do ano, medidas que poderiam dar fôlego extra ao caixa não se concretizaram, entre elas a venda de ações do Banrisul e a adesão ao regime de recuperação fiscal (para antecipar recursos de privatizações).
- A economia não decolou como se esperava. Descontada a inflação, as receitas subiram apenas 2,4% nos primeiros seis meses de 2019. Já os gastos cresceram 4,2%, puxados pelas despesas com pessoal. Governo do Estado fechou primeiro semestre de 2019 com déficit de R$ 2,27 bilhões. Em agosto, o rombo avançou para R$ 2,93 bilhões, último dado disponível.
- Por falta de recursos, o governo conseguirá terminar de pagar a folha de outubro apenas em 13 de dezembro. Ainda terá os salários de novembro e dezembro pela frente, o que torna o parcelamento do 13º praticamente inevitável, se não surgir nada de novo até lá.
Fonte: Zero Hora