Governo do RS fechará 2019 com dívida pública de quase R$ 78 bilhões

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Com crescimento real de 3,3%, saldo devedor é formado, principalmente, por contrato firmado com a União, com parcelas suspensas desde 2017

Sem pagar as parcelas devidas à União desde 2017 — o que, em 2019, garantirá fôlego de R$ 3,45 bilhões ao caixa —, o Estado do Rio Grande do Sul segue registrando crescimento da dívida pública. De janeiro a novembro, a conta saltou de R$ 72,9 bilhões para R$ 77,7 bilhões, um avanço real (descontada a inflação) de 3,3%. Trata-se de 18 vezes o orçamento anual da Saúde.

O dado de dezembro ainda não está disponível, mas a tendência é de que o saldo fique na casa dos R$ 78 bilhões. Desse valor, 86% correspondem ao passivo relacionado ao governo federal. 

— O resultado era totalmente esperado. Na verdade, ficou abaixo do que prevíamos. A queda na taxa Selic (de 6% para 4,5% ao ano, ao longo de 2019) nos beneficiou e proporcionou um crescimento menor do saldo devedor do que o esperado inicialmente — diz o chefe da Divisão da Dívida Pública, Felipe Rodrigues da Silva.

De janeiro a novembro, graças à liminar obtida em 2017 pelo Estado junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio Piratini deixou de pagar R$ 3,16 bilhões à União. Até o fim de 2019, o alívio deve chegar a R$ 3,45 bilhões, o que representa pouco mais de duas folhas de pagamento do Executivo. 

Sem isso, a situação financeira do Estado seria ainda pior neste final de ano. Além de ter parcelado o 13º dos servidores, o governo deve quitar os contracheques de novembro do Executivo apenas no dia três de janeiro de 2020. Já os salários de dezembro começarão a ser depositados somente em 10 de janeiro, se nada mudar até lá.

Desde 2017, quando o ministro Marco Aurélio Mello atendeu ao pedido do Piratini e autorizou a suspensão dos repasses à União, R$ 7,4 bilhões permaneceram no Estado (serão R$ 7,7 bilhões até 31 de dezembro). Embora a medida tenha ajudado a impedir o colapso das finanças, a pendência não será perdoada. A dívida com a União precisa ser zerada até 2048, e, sobre ela, seguem incidindo juros e correção.

Ainda assim, a manutenção da liminar é considerada fundamental pelo governo Eduardo Leite. A avaliação é de que o Estado não tem condições de retomar as parcelas de R$ 290 milhões mensais. Também há o temor de que o Piratini seja cobrado em pelo menos mais R$ 6,5 bilhões, por ter desrespeitado a regra do teto de gastos prevista na renegociação da dívida. Isso poderia elevar as parcelas a R$ 900 milhões por mês.

Para evitar a revisão do caso no STF, Leite segue buscando a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal proposto pela União – que garante, formalmente, carência de ao menos três anos no pagamento da dívida. A assinatura está condicionada à aprovação do pacote de reformas proposto à Assembleia. Como a votação da maior parte dos projetos ficou para janeiro, as incertezas em relação ao acordo tendem a persistir por, no mínimo, mais um mês.

Composição do passivo

  • 88% – dívidas internas, sendo que a maior parte do valor é devido à União
  • 12% – dívidas externas, principalmente com os bancos Mundial (Bird) e Interamericano (BID)

Para comparar

R$ 77,66 bilhões equivalem a…

  • 18 vezes o orçamento anual da Saúde ou
  • 8,5 vezes o orçamento anual da Educação ou
  • 4,3 anos de salários do Executivo (considerando o valor bruto da folha)
  • É como se cada gaúcho devesse, em média, R$ 6.850

Quantos contratos são?

São 51 contratos de empréstimos, além de par­celamentos de débitos previdenciários com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e da contri­buição social ao Programa de Formação do Pa­trimônio do Servidor Público (PASEP). Entre eles, está a dívida com a União, que assumiu parte dos débitos do Estado em 1998, após negociação com o governo Antônio Britto, então do PMDB, e representa 86% do total do passivo público. 

Quanto o Estado já pagou à União?

Em 1998, o Estado ficou obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões (equivalente a R$ 46 bilhões em valores corrigidos) à União ao longo de 30 anos, com juros anuais de 6% e correção pelo IGP-DI. Com o passar do tempo, o indexador cresceu além do esperado, e o passivo se multiplicou. Em novembro de 2019, depois de ter repassado mais de R$ 30 bilhões à União, o Estado ainda devia R$ 66,6 bilhões aos cofres federais. Por conta disso, há setores que questionam o pagamento e exigem auditoria da dívida.

Com a liminar no STF, quanto o Estado deixou de pagar à União?

A liminar autorizando a suspensão dos pagamentos está em vigência desde 2017. De lá para cá (até novembro), o Estado deixou de pagar R$ 7,4 bilhões à União. Até 30 de dezembro, o fôlego chegará a R$ 7,7 bilhões, dos quais R$ 3,45 bilhões apenas em 2019. Esses R$ 7,7 bilhões equivalem a seis folhas de pagamento líquidas do Executivo. O valor não será perdoado pela União. No futuro, terá de ser pago com juros e correção.

Quando essa bola de neve começou?

A situação da dívida pública do RS começou a sair do controle a partir da década de 1970, na ditadura militar. Na onda do “milagre econômico”, as restrições ao endividamento foram afrouxadas, e a União estimulou os Estados a buscarem empréstimos externos. 

Sob o comando do governador Euclides Triches, da Arena (partido de sustentação do regime), o Estado entrou no mercado de capitais e passou a emitir títulos com correção monetária. Os papéis tiveram rápida aceitação no mercado, e o governo conseguiu viabilizar seu projeto desenvolvimentista. Foram construídos mais de 6 mil quilômetros de estradas, mas, com as duas crises do petróleo, em 1973 e 1979, a situação saiu do controle.

Palácio Piratini / Palácio Piratini/Divulgação
No governo Triches (ao centro, inaugurando trecho da BR-285), RS ampliou as opções de crédito.Palácio Piratini / Palácio Piratini/Divulgação

Na década seguinte, marcada pela hiperinflação, veio à tona a explosão do endividamento. Os prazos começaram a expirar e o Estado mal tinha recursos para pagar a folha, cada vez mais onerosa. A solução foi rolar a dívida, isto é, adiar o pagamento, o que desencadeou um ciclo vicioso perverso, que perduraria por 20 anos. Para substituir os papéis vencidos, novos títulos passaram a ser emitidos, sempre com juros mais altos.

—Eram dívidas para pagar dívidas. Foi aí que tudo começou — sintetiza o economista Darcy Carvalho dos Santos.

Reprodução ZH
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foto: Bruno Alencastro / Agencia RBS


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