Governo prepara nova lei de recuperação judicial

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Pelas indicações que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem dado recentemente, a minuta de mudanças na Lei de Recuperação Judicial, em gestação há pelo menos seis meses, deve atender a duas relevantes demandas do mercado financeiro, sobretudo dos bancos. Uma delas visa a não alterar o direito que instituições e credores com garantia fiduciária têm de ficar de fora do processo de recuperação judicial e poder negociar seus passivos diretamente com as empresas em dificuldade. A outra demanda diz respeito à estrutura para a concessão de empréstimos às companhias em recuperação judicial.

Meirelles apresentou ao presidente Michel Temer e aos ministros da área política o esboço do projeto de lei após um almoço no Palácio do Jaburu. O ministro da Fazenda disse que a minuta com as mudanças elaborada por sua equipe, após análise com advogados e mercado, chegará ao Congresso em duas semanas. A tentativa é de fazê-la entrar pelo Senado, para chegar à Câmara dos Deputados já mastigada, facilitando a compreensão e aprovação das alterações para aperfeiçoar a lei.

No primeiro caso, os bancos defenderam que fosse respeitado o que está na legislação vigente, sob o argumento de que não faz sentido que a lei de recuperação judicial tenha o poder de modificar contratos de concessão de crédito. Para eles, se as alterações convergirem para tornar as dívidas com garantia fiduciária passíveis de serem tratadas na recuperação judicial, o juro dos empréstimos para as companhias vai subir, e a liquidez para as empresas de médio e pequeno porte pode diminuir.

O grupo de advogados que têm contribuído com sugestões ao Ministério da Fazenda defendia que as dívidas com garantia fiduciária fossem inclusas na recuperação judicial e tratadas em uma classe separada de credores. Esses credores não teriam de partilhar tal garantia com toda a massa e teriam direito ao valor integral da garantia apurado com eventual venda da mesma. A diferença com a situação atual é que as negociações com essa classe seriam conduzidas com transparência, e não unilateralmente, como ocorre hoje.

No ponto que trata de dar liquidez às companhias em recuperação judicial, bancos e advogados concordam sobre a criação de um mecanismo para dar acesso a novos financiamentos, os quais seriam pagos com prioridade ante os demais créditos. Mas advogados discordam sobre a abrangência de tal prioridade, defendendo que se estenda até o valor das garantias relacionadas ao novo crédito. Para os bancos, entretanto, essa prioridade deve corresponder ao valor total do empréstimo.

“Infelizmente, a se confirmar isso, o governo terá deixado de lado o objetivo principal da lei, de preservar empresas e empregos para beneficiar injustificadamente o sistema bancário, em detrimento de todos os demais”, criticou Ivo Weisberg, sócio do escritório TWK.

Uma questão nebulosa em relação à concessão de empréstimos a empresas em recuperação judicial está na resolução do Banco Central que trata dos níveis de provisões para devedores duvidosos exigidos para empresas com atraso nos pagamentos. Para uma companhia em recuperação judicial, que tem a pior classificação de risco, o Banco Central recomenda o provisionamento de 100% do crédito, inviabilizando ao banco manter um empréstimo como esse pelo tempo necessário para recuperar a companhia.

Acredita-se que uma mudança na regulamentação seria necessária para acomodar os empréstimos para empresas em recuperação judicial no balanço dos bancos. Há tese no mercado financeiro de que tal alteração poderia acontecer a partir do Conselho Monetário Nacional (CMN), por meio da criação de critérios de desempenho das companhias para atenuar as provisões.

Entre outras pautas dos bancos que não encontram eco entre os advogados está a correção monetária dos créditos habilitados à recuperação judicial, que os termos propostos pelo devedor na recuperação judicial sejam melhores do que em processo de falência e uma perícia prévia, por empresa determinada pelo juiz, de viabilidade da recuperação, a fim de evitar processos em companhias já falidas.

 Apesar da queda de juros, empresas seguem tentando reestruturar dívidas

Novos ciclos de reestruturação de dívidas pelas empresas são esperados nos próximos meses, ainda que a taxa de juros esteja declinando e que alguns setores da economia, como imobiliário, comecem a mostrar sinais positivos. Profissionais envolvidos em processos de reorganização financeira e operacional de empresas, e também em recuperações judiciais, afirmam que a reversão das expectativas de retomada econômica para este ano e as incertezas para 2018 estão obrigando empresas a se sentarem na mesa para renegociar com bancos e outros credores.

Nos últimos dois meses, apenas duas empresas, a Heber e a Triunfo Participações, entraram com pedidos de recuperação judicial e extrajudicial, respectivamente, envolvendo dividas que, juntas, somam mais de R$ 14 bilhões.

“Uma série de empresas que vinham evitando a reestruturação ou a recuperação judicial devem tomar uma decisão agora, cientes de que não terão o retorno operacional que esperavam”, diz o professor de Direito Comercial da Universidade de São Paulo (USP), Francisco Satiro.

Para ele, a queda no juro, de fato, é importante para evitar que companhias alavancadas, mas operacionalmente estruturadas e com gestão eficiente, sejam conduzidas a uma situação de insolvência. “Mas não faz diferença para companhias que já estão em dificuldades e tiveram dívidas roladas a taxas mais elevadas”, afirma.

Satiro destaca ainda que algumas companhias estão na segunda ou terceira rodada de rolagem de suas dívidas e que, dado o ambiente ainda desafiador, tais negociações podem acabar se desdobrando em recuperações extrajudiciais ou judiciais.

O advogado Eduardo Munhoz, à frente da recuperação judicial de OAS e PDG, acrescenta que grandes dívidas se tornam muitas vezes impagáveis, ainda que haja queda no juro. “As empresas vão morrendo aos poucos”, destaca.

Munhoz pontua ainda que poucas renegociações feitas até o momento junto a bancos trouxeram soluções definitivas para as companhias e que isso contribui para um cenário de mais pedidos de recuperação judicial.

O advogado critica também as inseguranças política e jurídica no País, que contribuem para a deterioração dos ativos das companhias com problemas. “Tal conjuntura atrai, por muitas vezes, investidores oportunistas nos processos de venda de unidades ou participações feitas para levantar caixa pelas empresas nos processos de reestruturação”, diz.

Para Christian Murayama, sócio na KPMG no Brasil, haverá pelo menos mais seis meses de renegociações, por companhias que repactuaram dívidas no final de 2015 e em 2016. Murayama tem, entretanto, uma visão mais positiva sobre o impacto da queda do juro nas empresas com problemas. “O endividamento cresce mais lentamente”, lembra ele.

Francisco Clemente, diretor da área de reestruturação da KPMG, observa ainda que, pela primeira vez em dois anos, começam a aparecer alguns indicadores positivos, como no setor de construção e de automóveis. “Ainda que sejam sinais isolados, já há alguma indicação de que o consumo parou de cair”, diz. Clemente lembra ainda que os setores imobiliário e de construção envolvem uma cadeia de grande peso e poder na atividade econômica.

Fonte: Jornal do Comércio

Foto: Wilson Dias/ ABR/ JC


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