‘Jogar uma carreira contra outra não é construtivo’

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Secretário da Fazenda rebate argumentações da oposição e de entidades de servidores sobre a reforma administrativa.

Antes mesmo de chegarem em forma de projetos na Assembleia Legislativa, passam por escrutínio os números e projeções apresentados pelo governo de Eduardo Leite (PSDB) para embasar a defesa que o Executivo faz dos textos das reformas administrativa e previdenciária. O pacote será encaminhado até o final do mês ao Legislativo. Enquanto isso, assessorias técnicas nas bancadas e nas diferentes entidades que reúnem categorias de servidores se debruçam sobre os dados e comparações que o governo estabeleceu no documento de 111 páginas no qual consta o esqueleto de suas propostas.

Reportagem do jornal Correio do Povo

Ao mesmo tempo, o Executivo confere dados e prepara a retórica para contra-argumentar as contestações, que já começaram. Na semana passada, a União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública anunciou que vai solicitar a base de dados, os modelos matemáticos e a memória de cálculo utilizados para embasar os números divulgados no documento em relação à previdência. No foco, neste início dos debates, estão as projeções sobre o déficit, as comparações e as diferenças entre os cálculos atuariais que constam nos documentos do Instituto de Previdência do RS e na Lei Orçamentária Anual de 2020 e as estimativas nominais que são parte do material de divulgação que circula entre sindicatos e parlamentares.

Do Legislativo, virão ainda questionamentos sobre o modo como a reforma atingirá servidores que se encontram, em termos de remuneração, na base e no topo das carreiras. Nesta semana, apostam integrantes da base, o pacote voltará a mostrar reflexos práticos no Legislativo, durante a apreciação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da possibilidade de suspensão do pagamento de honorários de sucumbência aos procuradores estaduais.

O governo deverá apresentar detalhes sobre números que ainda não foram abertos: como o impacto fiscal anual das reformas e a distribuição dos dados referentes ao aumento da despesa com pessoal nos últimos dez anos. O secretário da Fazenda, Marco Aurelio Santos Cardoso, conversou com o Correio do Povo sobre o cenário posto. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista:


Secretário estadual da Fazenda explica os números e a argumentação lançados pelo governo sobre as reformas administrativas

Na divisão de tarefas delineada dentro do governo do Estado para fazer andar as reformas administrativa e previdenciária que enviará neste mês à Assembleia Legislativa, cabe à Secretaria da Fazenda uma das áreas mais sensíveis do pacote: é a pasta que concentra, dentro da estrutura montada para encaminhar as mudanças, os dados, projeções e argumentos em defesa da reforma que o Executivo deseja implementar na previdência.

Correio do Povo: No documento encaminhado aos deputados e entidades, o governo aponta um crescimento nominal de 187% na despesa com pessoal entre 2007 e 2018. Quanto deste aumento é de despesa com ativos e quanto com inativos? Quanto decorre dos reajustes aprovados à área da segurança a partir de 2012?

Marco Aurelio Santos Cardoso: Tanto a despesa com ativos como a com inativos cresceu. O que caiu, no caso da despesa com ativos, foi sua participação no gasto total. Na composição destes 187%,há 140,4% de crescimento referente a ativos e 236,4% a inativos. Temos o detalhamento dividido entre segurança, magistério e o restante da folha, mas não estou com ele neste momento.

CP: O governo trabalha com a hipótese de uma corrida por aposentadorias devido às reformas?

MA: Os números dos últimos anos são estáveis, variam de 7 mil a 9 mil aposentadorias ao ano. No primeiro semestre de 2019 não houve movimento superior. Foram cerca de 2.800 pessoas. É claro que, quando são feitas mudanças previdenciárias e em estatutos, há um custo de transição, é normal algum movimento, mas do ponto de vista da despesa como um todo, não será significativo. De qualquer forma, é um custo inevitável. A alternativa seria o país não mexer na sua previdência, mas aí o impacto seria muito maior.

CP: Por que as mudanças não atingem os prêmios de produtividade, vantagens pagas a parte de servidores da Secretaria da Fazenda e da Procuradoria Geral do Estado (PGE)?

MA: As questões da despesa de pessoal são bastante amplas. É muito difícil olhar uma situação isolada. Geralmente, efeitos isolados são usados como justificativa para que não se mexa em nada. E a reforma que estamos propondo é geral, estrutural e transversal. Procuramos fazer uma reforma geral da previdência. O mesmo para os estatutos, de forma que o regime fique mais moderno, mais amigável. Se olharmos pontualmente uma carreira ou outra, isso geraria uma situação de comparações e ilações que, por sua vez, resultaria em um nó. A reforma não é direcionada a uma carreira ou outra. Propomos uma reforma específica no caso do magistério porque, nele, além do estatuto ser dos anos 70, há uma insegurança jurídica enorme em relação ao piso nacional. Nas demais não, porque isso iria adquirir um tamanho que tornaria impossível as mudanças. A resposta é que não estamos entrando em julgamento de uma carreira específica, ou de jogar uma contra a outra. Esse caminho não é construtivo.

CP: Por que o governo estimou um déficit crescente na previdência até 2040 se os cálculos atuariais que constam no projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020 mostram um déficit decrescente a partir deste ano?

MA: Aquela estimativa até 2040 ela não é um resultado atuarial. É apenas uma explicação. Tentamos explicar que não há nenhuma incongruência entre o valor atuarial e o que verificamos no orçamento ano a ano. O que fizemos nesta curva em específico não foi a conta atuarial. Foi dizer que se pegarmos a coluna do valor presente e aplicarmos a média da inflação dos últimos anos, que é 3,5% ao ano, o valor que está colocado para 2040, a números de 2017, quando chegar a 2040, claro que será nominalmente maior. O orçamento também será maior, é óbvio. O que fizemos foi mostrar a diferença do que representa um cálculo atuarial e o valor nominal que as pessoas vão enxergar. A estrutura do plano não está montada nesta projeção para 2040. Nós extrapolamos para explicar, para contribuir para o debate. É só um ajuste na leitura, na mesma linha do que fizemos para explicar a dívida ativa ou os incentivos fiscais. Nós cobramos a dívida ativa. Só por favor não achem que é viável recuperar R$ 40 bilhões. Nós estamos trabalhando nos incentivos fiscais, mas não acreditem que o Estado está de fato deixando de arrecadar R$ 9 bilhões. Este número são aquelas escriturações contábeis que não têm realidade. A projeção estrutural, formal, submetida, da previdência, é o cálculo atuarial. Fornecemos uma explicação, mas de maneira alguma fizemos a conta por extrapolação de inflação.

CP: Não acabou gerando mais questionamentos?

MA: Tanto os relatórios do Plano Financeiro (sistema antigo, de repartição simples) como os dos FundoPrev’s (o sistema novo, de capitalização, que abarca um FundoPrev Civil e um Militar) apresentam déficit atuarial. A soma de todos estes regimes, civis e militares, financeiro e FundoPrev’s, resulta nos R$ 373,5 bilhões que apresentamos. E esta é de fato a base da reforma, é o número que interessa. O Plano Financeiro é onde está a grande massa de inativos, e continuará assim por um tempo significativo. Os FundoPrev’s praticamente não têm inativos, mas, atuarialmente, que é olhando para a frente, também estão deficitários em cerca de R$ 500 milhões. A justificativa da reforma é esta, é eu ter um número de previdência que está me consumindo cerca de R$ 12 bilhões em um ano. E, sobre os cálculos atuariais, esclareço que o contrato com o Banco do Brasil para sua elaboração não está vencido. Está vigente e termina em abril de 2020.

CP: No cálculo atuarial que consta na LOA para o Plano Financeiro há uma estimativa de crescimento real de salários de 2,5% ao ano para civis e de 3,9% ao ano para militares. Entidades de servidores que tratam da previdência, porém, argumentam que a aplicação dos índices distorce as projeções porque não há reajustes reais de salários e, para 2020, existe uma discussão inclusive sobre o repasse do crescimento vegetativo da folha.

MA: As projeções procuram observar um pouco o comportamento passado, porque, independentemente dos reajustes, a folha tem um crescimento vegetativo. O aumento das despesas de pessoal não tem a ver com a concessão de reajustes. Neste ano ela continua subindo acima do crescimento das receitas e da inflação. Houve crescimento real da folha. Vamos ter aumento no número de inativos. E na despesa de ativos. A despesa de pessoal cresce acima da inflação mesmo na ausência de aumentos. São médias que observam o comportamento histórico, elas não tem a ver com o orçamento em si. A média pode ser menor? Pode. Na verdade, o cálculo atuarial utiliza projeções de longo prazo, todas passíveis de alteração.

CP: O senhor entende como improcedentes os questionamentos sobre a existência de um déficit atuarial de R$ 373,5 bilhões?

MA: Não posso é somar nominalmente. Por isso que digo que a curva que fizemos, nominal, ela é meramente uma ilustração. Mas o déficit atuarial ele é a soma do valor presente de todos os déficits para a frente. Não entendo muito bem a que soma estão se referindo quando afirmam que o número não é este. A valor presente, é R$ 373,5 bilhões. É claro que daqui a 70 anos, quando eu somar nominalmente todos os déficits atuariais anuais, eles darão muito mais do que R$ 373,5 bilhões. Mas se fôssemos pagar todos os aposentados do Estado hoje, claro que é uma hipótese, a realidade nunca será essa, a valor de hoje, fazer um aporte financeiro de uma só vez, quanto teríamos que colocar? Seria isso. E isso são 10 anos de ICMS. É o valor do comportamento destes cerca de R$ 12 bilhões de déficit em 2019 até o último segurado falecer. O que justifica a reforma da previdência é que temos este déficit aqui hoje e na prática. Estamos colocando R$ 12 bilhões do caixa do Tesouro na previdência. Isto não é hipótese atuarial, é a realidade. Todos os meses retiramos R$ 1 bilhão do Tesouro e colocamos lá. É praticamente a metade do ICMS líquido do Estado. O fato de que isto vai cair nos próximos anos significa que não é preciso fazer nada? Não vamos mexer porque vamos ficar em uma discussão sobre qual é o pior momento? Ora, o déficit é suficientemente grande para sabermos que é inevitável não olhar para ele.

CP: O governo divulgou que o impacto fiscal das medidas em 10 anos deve chegar a R$ 25 bilhões. Mas não esclareceu como chegou a este valor e não abriu a projeção ano a ano. Quando apresentará estes dados?

MA: Estamos terminando de organizar as justificativas formais e as notas técnicas. O trabalho ainda não está pronto. As estimativas estão prontas, mas não organizadas de forma exata ano a ano. O trabalho  será concluído antes do envio definitivo dos projetos.

CP: No material encaminhado a deputados e entidades o Executivo utiliza um ranking da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) para afirmar que os gaúchos são os que mais pagam pelo déficit previdenciário: R$ 1.038 per capita. O valor é o resultado da divisão do déficit previdenciário do Estado em 2017 pela população total no Censo de 2010. É um cálculo apropriado?

MA: É uma tentativa de fazer a ilustração de um ponto. É uma analogia porque, no fundo, de fato está todo mundo pagando. É claro que a despesa com previdência faz parte das despesas públicas, faz parte do financiamento do Estado, ela não é ilegítima. É  uma analogia porque o orçamento público é de todos nós, então se faz essa arrecadação per capita, despesa per capita, é só uma analogia no sentido de dizer que é uma realidade implícita. Claro, o tamanho de um imposto de um país, dividido pela sua população, é claro que não se dá da mesma maneira. Mas se há  um Estado com 11 milhões de pessoas e ele gasta R$ 12 bilhões, indiretamente, no fundo, é dinheiro que vem de imposto, que vem da sociedade. Não imprimimos dinheiro. Fizemos esta analogia no sentido de mostrar como a situação previdenciária do RS é particularmente grave, por vários motivos. É um estado com maior qualidade de vida, com uma população com indicadores humanos melhores, com uma estrutura pública mais antiga. O RS se estruturou como estado mais cedo, fez avanços de bem estar social público antes de outros estados, há uma estrutura mais consolidada. Isto gera um déficit maior, na medida também que em boa parte do tempo as pessoas não contribuíam para sua aposentadoria. É uma imagem consistente, mas é apenas uma imagem.

Fonte: Correio do Povo


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