Por Juracy Soares | JOTA
Revisitando o texto ‘Alegoria da Caverna’ de Platão, podemos fazer uma analogia entre aquele que se desvencilha dos grilhões – narrado no texto – como sendo o ator do protagonismo. Aponto em paralelo que o perfil que se exige do novo servidor público e, especialmente do auditor fiscal, é o de um agente de mudanças.
Neste novo cenário, a sociedade exige uma nova postura do Governo, nas mais variadas áreas. Assumimos, então, nosso papel de protagonismo, no qual somos responsáveis por estudar e projetar novos cenários que legitimam nossa atuação no âmbito da Administração Tributária junto à sociedade.
Abandonamos o perfil de executores e adotamos a postura de executivos, aprimorando o entrelaçamento de dados eletrônicos – que são muitos – visando garantir eficiência da gestão de tributos estaduais.
Nessa linha, a utilização de ferramentas eletrônicas pode favorecer a atuação de um fisco mais ágil, com mais exatidão e aproximando a verificação para o exercício presente, gerando mais efetividade e ao mesmo tempo com um exercício da atividade a menos invasiva possível.
O momento é peculiar e deve nos levar a pensar sobre legitimidade. A sociedade avalia a legitimidade a partir das diversas interações que a Administração Pública tem para com seus contribuintes. O que deve orientar a atuação do Fisco é uma ética orientada à eliminação da complexidade do sistema tributário, com a aprovação de uma reforma tributária ampla ou fatiada.
É importante ressaltar que as discussões acerca do tema reformam tributária devem estar conectadas com o futuro, pensando em uma modelagem que reduza drasticamente o custo da gestão fiscal para contribuintes. Não faz sentido estarmos olhando para frente, mas com os olhos fixos no retrovisor.
O novo relacionamento do Fisco com o cidadão-contribuinte deve permitir a realização de transações negociais sem que seja necessário – posteriormente – preencher e enviar documentos à Administração Tributária. Hoje já temos no Brasil tecnologia que permite esse tipo de operação.
Após o advento do e-commerce, estamos a assistir uma explosão do m-commerce (comércio via celular – mobile) em que milhares de aplicativos (APPs) são lançados anualmente. Esse é o novo ambiente que exige uma atuação focada em tecnologia de ponta, visando alcançar todas essas transações.
Ao participar de eventos internacionais no Canadá e na Europa com representantes de Administrações Tributárias de mais de 40 países que integram o Centro Interamericano de Administrações Tributárias (Ciat),em maio último, ficou claro o quanto estamos desconectados do que acontece na realidade. Mesmo sem termos conseguido alcançar as operações realizadas via e-commerce, agora estamos tateando como cegos ao tentar tributar operações realizadas por plataformas de m-commerce.
Tanto que a Comissão Europeia, em comunicado à imprensa, no dia 21 de março deste ano, propôs novas medidas a fim de garantir um regime fiscal justo para todas as empresas integrantes do bloco, visando tornar-se líder mundial em matéria de concessão de legislação fiscal adaptada à economia moderna e à era digital.
Para a UE, uma plataforma digital será considerada como tendo uma «presença digital» tributável ou um estabelecimento permanente virtual em um Estado-Membro, se preencher um dos critérios: 1) exceder o limiar de 7 milhões de EUR de receitas anuais num Estado-Membro; 2) ao longo de um exercício fiscal tiver um número de utilizadores num Estado-Membro superior a 100.000;3) ao longo de um exercício fiscal, forem celebrados mais de 3 000 contratos comerciais relativos a serviços digitais entre a empresa e utilizadores empresariais.
Ora, se um engenheiro de software de 22 anos ler esse comunicado e quiser burlar esse tipo de tributação, bastará escrever três linhas em um programa determinando que antes de a plataforma atingir esses limites, ela deixe de vender naquela comunidade. Isso dá uma dimensão do quão débeis são os controles nesse oceano profundo, (parafraseando a Deep Web), onde são realizados negócios à margem do Estado.
Os modelos atuais e mesmo os que estão a ser pensados são incapazes de alcançar uma fração das operações comerciais que se realizam – diariamente – por meio das mais variadas plataformas onde vendedores oferecem seus produtos e serviços a potenciais compradores, chamadas de marketplaces e aplicativos de smartphones.
Consequentemente, o fato é que o Estado está a – cada vez mais – cobrar ainda mais daquelas empresas e indivíduos que se apresentam voluntariamente, para serem tributados. Esse tipo de situação se dá por uma conjunção de sintomas que acometem o Estado atualmente, notadamente a comodidade, incapacidade de pensar no longo prazo e/ou negligência para com as novas tecnologias.
E é nesse cenário que reforçamos a responsabilidade que pesa sobre os ombros do auditor fiscal. Temos que atuar como gestores de uma nova Administração Tributária, conectada às novas tecnologias, viabilizando a arrecadação de tributos com a mesma velocidade e facilidade com que esses são formalizados, quer por meio de plataformas ou APPs.
Um novo perfil de auditor fiscal passa, então, a ser requerido para os próximos certames. Cada vez mais a multidisciplinariedade de formação acadêmica será valorizada, especialmente aquelas oriundas da Tecnologia da Informação que, aliada às demais, como Contabilidade, Direito, Economia e Administração, dentre outras, comporá o novo perfil profissional das administrações tributárias.
JURACY SOARES – doutor em Ciências Jurídicas (UMSA/Arg), mestre em Controladoria pela UFC, auditor fiscal do Estado do Ceará e diretor de Estudos Tributários da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais)
Artigo publicado no portal JOTA nesta terça, dia 19/06: https://bit.ly/2lk2dYj
Fonte: Febrafite