Murta

Compartilhe

Miniconto de terror escrito pela associada Carla Elmira Nogueira Magalhaes Lima

Na primeira vez que passou pela rua vazia, passou olhando para ela, do outro lado, sacudindo suavemente ao sabor do vento.

Era um arbustinho frondoso demais para estar assim, só na areia.

Na segunda vez, quase atravessou para ver as flores, mas não podia chegar atrasada no trabalho.

Só na terceira vez que deu certo. Acordou cerca de uma hora mais cedo. Olhou para ambos os lados e, não vendo carro algum, atravessou para o terreno grande e baldio, pulando a cerca que não o protegia. Foi sorrindo até o arbusto: era lindo.

Era lindo e tinha um cheiro docinho, de forma que ela não entendia como não estava recheado de besouros, aproveitando aquela fartura.

Na verdade, só de olhar e sentir assim o cheiro, dava vontade de pôr na boca. O pensamento foi estranho, mas ela não tinha tomado seu café da manhã.

Enquanto analisava com mais atenção as flores, o vento soprou mais uma vez.

Suavemente.

Derramou vários daqueles pequenos botões floridos e cheirosos no seus cabelos. Ela sorriu de novo, olhando para cima e apreciando a sombra fria que o arbusto fazia na sua cabeça.

Por estar olhando para cima, uma daquelas florzinha caiu no seu olho.

— Ai!…

Ela passou o polegar por cima.

Ardeu.

Ardeu e fez a flor grudar na sua córnea escura.

Naturalmente, a sensação foi de desespero. Ela fez um gancho com o polegar e o indicador e levou até o olho, se sentindo bizarra enquanto tudo o que ela via estava com uma adorável florzinha branca.

Quanto mais ela tentava tirar com os dedos, mais a flor entrava. Seu olho esquerdo já estava inteiramente vermelho pela invasão. Sentiu um mal estar quando a flor desapareceu da sua córnea e perdeu-se na pálpebra superior.

A flor não estava andando por baixo da pele da pálpebra.

Entreabriu os lábios, buscando por ar e buscando, principalmente, ficar calma.

Porém, quando sugou com força, um punhado daquelas pequenas florzinhas grudou na sua língua.

Ali que descobriu que aquele perfume que a planta exalava era uma ilusão.

Uma armadilha?

O gosto era de bile misturado com sal e areia. Ou, só de sal e areia, porque a mulher estava agachada, com as mãos na barriga, fazendo toda força que conseguia na barriga e na garganta, tentando inutilmente vomitar as flores que tinha engolido.

Sua orelhas estavam lindamente enfeitadas. Não como brincos, mas completamente tomadas pelas flores. E, como os ouvidos estavam ligados à boca que estavam ligados ao nariz, haviam flores escapando pelo nariz, mas aquelas que saiam dali não estavam tão branquinhas.

Na verdade, elas estavam cor-de-rosa, o sangue da mulher colorindo-as.

O castanho dos olhos derreteu, escorrendo para dentro da cabeça e, dos olhos agora vazios, brotavam mais e mais florzinhas, vencendo as camadas de tecido e pele da mulher, de dentro para a fora, como se vencessem a terra e finalmente colocassem toda a primavera para fora.

Ela não sentiu a dor dos olhos derretendo porque estava sufocando, seu pulmão sendo violentamente tomado, as suas duas mãos na garganta, arranhando, tentando abrir o pescoço para ver se arranja algum ar, mas as suas unhas roídas eram curtas demais para isso.

A mulher caiu no chão de areia, tomada de flores, dando os últimos espasmos, o corpo fechando-se como uma semente: as coxas colaram no peito, os joelhos na cabeça e suas mãos tremiam até que se fecharam com força nos pés.

Ela morreu silenciosamente.

Em poucos minutos, a natureza foi rápida em continuar seu trabalho: as melhores flores, as mais bonitas, abriam-se mais e mais até que revelavam pequenos alfineteiros vermelho-sangue. Alguns explodiam e o sangue espirrava, já outros amadureciam e caiam, entrando com facilidade na pele decomposta que fazia seu papel como o melhor dos fertilizantes.

Vários deles entravam na carne morta, até que uma pequena rachadura apareceu nas costas dela.

A semente, cheia de vida, quebrou-se exatamente na coluna vertebral e um pequeno broto verde-vivo vertia com calma e paciência para fora, com duas folhas grandes, balançando ao sabor do vento.

Na semana seguinte, haviam dois arbustos frondosos e cheios de flores, estranhamente bonitos, com as raízes enfiadas e sugando energia, aparentemente, só daquela areia salgada.


Compartilhe