‘Não temos mais tempo para postergar ajuste fiscal’, diz ex-diretor do BC

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CAMPOS DO JORDÃO – A falta de senso de urgência na esfera política em relação à gravidade da situação fiscal pode fazer com que o ajuste nas contas públicas seja adiado e, como consequência, o Brasil não conseguirá manter a trajetória de redução das taxas de juros. Para o ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Franco e os ex-diretores Afonso Bevilaqua e Eduardo Loyo, de um lado o governo Temer tem menos apoio politico do que no início de governo para fazer o ajuste necessário e, do outro, falta entre os parlamentares racionalidade econômica na gestão do orçamento público.

 

— O ajuste é um processo que vai demandar muita persistência para ficar concentrado na agenda que precisa ser feita. Mas o apoio político é menos incisivo do que o existente no ano passado quando teve início a implementação do ajuste fiscal. O problema é que não temos mais tempo para postergar esse ajuste porque o cenário é muito complexo — avaliou Bevilaqua, presidente do conselho de administração do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), durante o Congresso Internacional de Mercados Financeiros da B3.

 

Franco, atualmente estrategista-chefe da Rio Bravo Investimentos, vê ainda que há um baixo comprometimento na execução das reformas.

 

— Não acredito na sinceridade da equipe econômica quando diz que há um alinhamento com os princípios políticos. Há um casamento de conveniência entre a equipe econômica e a ala política. O PMDB nunca foi o partido das reformas, mas foi a pauta (ajuste fiscal) que emergiu como consenso após o fracasso da nova matriz, mas essa nunca foi uma pauta do PMDB e é natural que venha então com limitações — avaliou.

 

Ao postergar o ajuste, há o risco de que as mudanças estruturais que terão que ser feitas no futuro sejam mais graves do que agora. Entre elas, estão o processo de redução da taxa de juros. A taxa Selic está em 9,25% ao ano, o que representa um juro real (descontada a inflação) em torno de 6%, com tendência de queda. Essa taxa real deve caminhar para um número entre 3% e 4%, mas provavelmente por um prazo relativamente curto, segundo Eduardo Loyo, economista-chefe do banco BTG. Segundo ele, a redução dos juros ocorre principalmente pela queda da inflação e pela recessão econômica. No entanto, para o médio prazo, é preciso um melhor equilíbrio das contas públicas.

 

— A minha perspectiva era de uma taxa de juros de equilíbrio com uma queda mais substancial e duradoura graças ao nosso sucesso de encaminhar a consolidação fiscal. Se fizermos só metade da lição de casa, as perspectivas para a taxa de juros declarar tanto são menos seguras do que em um ambiente em que todo o ajuste tivesse sido feito — afirmou Loyo, acrescentando que o governo deveria aproveitar o momento de alta liquidez internacional para tentar melhorar essa situação.

 

AUMENTO DE IMPOSTO X MANUTENÇÃO DE BENEFÍCIOS

 

Ao se falar em ajuste, os economistas afirmam que ele vai muito além da Reforma da Previdência. E que mesmo uma reforma das regras das aposentadorias nos moldes da proposta inicial do governo, não é suficiente para sozinha equilibrar as contas. Outras medidas estruturantes deveriam ser tomadas.

 

— No Congresso, o plenário fica cheio para discutir despesas, vazio para se falar de tributos para melhorar as receitas e ninguém quer discutir a dívida. Isso é resolvido depois por um contingenciamento das receitas pelo executivo. Essa é uma deficiência institucional que não conseguimos resolver. Não temos um orçamento como os países desenvolvidos têm — avaliou Franco, da Rio Bravo Investimentos.

 

O ex-presidente do BC afirma ainda que dado a dificuldade em se cumprir, a partir de 2019, a lei do teto de gastos, em que há um limite para o crescimento das receitas, o governo terá que estudar novas alternativas para fechar as contas, uma vez que só a reforma não será suficiente. Para ele, apenas revisão dos gastos com a máquina pública e a redução do estado são capazes de fazer com que a regra seja cumprida.

 

— A saída é reduzir o tamanho do estado e reduzir a folha de pagamento com servidores, o que se faz reduzindo o quadro de funcionários ou as remunerações. É preciso fazer uma discussão transparente sobre o tema e a sociedade vai ter que decidir se ela quer pagar mais imposto ou manter a estabilidade do funcionário público — disse.

 

Sobre a redução do tamanho do estado, ele vê como positiva o processo de privatização da Eletrobras. No entanto, admite que o pacote que se seguiu ao anúncio da venda de ações da estatal de energia e diluição do controle foi algo feito no “susto”, já que o governo optou por aproveitar a janela de oportunidade aberta após a recepção positiva da notícia – as ações ordinárias da Eletrobras fecharam em alta de 49% na terça-feira, primeiro dia de negociação após o anúncio da privatização, feito na noite anterior.

 

— O governo levou um susto com essa repercussão extraordinária e retirou da gaveta um lote grande de outras coisas. No entanto, não vai ter tempo para fazer tanta coisa. É mais um anúncio do que uma perspectiva de realidade — avaliou, acrescentando ainda que a privatização da Eletrobras só é possível pela decisão do governo Dilma Rousseff de ter renovado as concessões do setor elétrico, mas em condições piores, o que destruiu o valor dessas empresas.

Fonte: O Globo

Foto: O Globo/ Divulgação


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