O outro lado da UTOPIA

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Artigo do colega João Carlos Loebens

Utopia por definição significa um local ou sociedade funcionando de forma organizada, justa, exemplar. Após dois mil anos de convívio social, considerando somente a era cristã, e talvez em função das fraquezas e dualidades humanas, poderíamos dizer que ainda não chegamos nesse patamar de sociedade melhorada, motivo pelo qual a utopia continua sendo um objetivo nobre. Afinal, o que seria uma sociedade organizada de forma justa ou exemplar?

Capitalismo provavelmente seja uma das primeiras palavras que vem à mente de muitas pessoas quando se fala em forma de organização social, até porque é a única forma aceita pela imprensa dominante digamos no ocidente. Mas o que significa capitalismo, seria uma coisa única, igual em todas as partes?

Desigualdade, ou digamos desigualdade social, de forma diferente ao termo capitalismo, é pouco comentada no conjunto da mídia, e, quando comentada, desvinculada do termo capitalismo. Brasil é praticamente campeão mundial em desigualdade. Ao mesmo tempo em que contribuímos com 62 pessoas na lista de bilionários da Forbes 2022, estamos entre os piores indicadores mundiais de concentração de renda e desigualdade (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59557761). Por um lado, temos em torno de 100 pessoas ultra ricas ou oligarcas, ao mesmo tempo que convivemos com milhões de pobres, inclusive milhões passando fome, apesar do “AGRO é POP”. Mas se o modelo social “exemplar” que a mídia propaga é o capitalismo e ao mesmo tempo temos milhões de pessoas em situação de insuficiência alimentar, não deveríamos questionar o modelo de organização social capitalista adotado sob a ótica da geração de desenvolvimento e justiça?

Outros países do ocidente também denominados capitalistas, como os países da Europa, reduziram sua pobreza e desigualdade social a partir por exemplo do término da segunda guerra mundial. Por quê? Porque a desigualdade faz com que se ganhe menos dinheiro, porque a desigualdade trava o desenvolvimento. Dessa forma, mesmo os que se dizem ferrenhamente capitalistas (ganhar dinheiro no sentido mais restrito) deveriam ser a favor da diminuição da desigualdade, pois menos desigualdade gera desenvolvimento e crescimento, objetivo final aceito e defendido de forma ampla.

É verdade que a sociedade atual se apresenta cada vez mais complexa, tornando mais complexa também a participação social (das pessoas) nos governos. No entanto, apesar da complexidade, as pessoas mantêm a noção de justiça, ou digamos, a capacidade de avaliar e decidir o que é justo e o que é injusto. Uma vida limitada à busca de uma suposta felicidade no acesso aos bens de consumo, para talvez provocar inveja nos outros, não seria um objetivo legal para fundamentar a conduta. É importante manter a capacidade de sentir empatia e amor pelo outro, especialmente aquele que sofre com a extrema desigualdade, baseado numa avaliação de justiça e busca do convívio social harmonioso.

A utopia, com o objetivo já milenar de buscar uma sociedade justa e exemplar, mesmo quando definida como um sonho, continua sendo um objetivo para pautar a conduta. Como já dizia Quintana, “uma vida não basta ser vivida, também precisa ser sonhada”. E a utopia, como lembra Galeano, além do sonho, além do horizonte, serve para nos fazer caminhar.


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