“Em meio à esta expectativa, eis que o mundo inteiro é tomado pela pandemia do coronavírus. Seriam “parasitas” os servidores da saúde, médicos, enfermeiros, auxiliares e demais agentes sanitários, dentre outros ue estão na linha de frente dessa grave crise sanitária? Muitos seriam os exemplos de dedicação, tais como os servidores da segurança pública, das Forças Armadas, policiais civis e militares, agentes municipais e penitenciários, a resguardarem a integridade física da população, a disciplinarem a circulação das pessoas e a evitarem que uma onda de violência e vandalismo tome conta do país”
Marcos Carneiro*
Vladimir Morgado**
Não faz muito tempo que ouvimos estarrecidos o ministro da Economia comparar os servidores públicos do país a parasitas, apegados nocivamente à estrutura do Estado, a sugarem dela recursos que poderiam ser direcionados para necessidades sociais emergentes.
A prática de disseminar mentiras e deixá-las germinarem para contaminar a opinião pública não é nova. No ano passado, presenciamos mais uma tentativa do ministro Paulo Guedes, que, durante entrevista à Veja, disse que se o presidente da República não apoiasse a aprovação da reforma da Previdência, sairia do país.
A partir dessa pândega, deflagrou-se um movimento midiático nas redes sociais no intuito de desmoralizar a figura do servidor público, tido quase como abjeto perante a opinião nacional, obstinado em conquistar mais e mais ajustes remuneratórios, indolente no cumprimento de suas tarefas cotidianas, de entregar prestação de qualidade ao cidadão brasileiro.
Em posição de riste, esse movimento alegava que o funcionalismo se fiava na estabilidade no cargo, como se inexistisse na Constituição Federal e leis adjacentes mecanismos de combate à insuficiência de desempenho na função, sujeita até a pena de demissão, apurada mediante processo administrativo disciplinar.
Essa estratégia vem a reboque de uma política que intenta reduzir substancialmente o modelo estatal brasileiro, na linha ultraliberal de deixar praticamente toda a movimentação de riqueza nas mãos de agentes econômicos particulares. Não um “Estado Mínimo”, como se desejou outrora, mas um Estado microscópico, amorfo, patologicamente reduzido.
Atualmente, paira a profecia de que o Estado será desmantelado e, neste desmonte, milhares de servidores sofreriam um grave processo de desvalorização. Entretanto, o Estado e seus servidores precisam continuar sem temor seu mister constitucional de prestigiar a democracia e a segurança jurídica, a efetuarem políticas públicas que assegurem a paz social, a incolumidade fisiológica da população, a prestação jurisdicional, a educação de qualidade, a coleta de recursos para financiamento das atividades estatais.
Em meio à esta expectativa, eis que o mundo inteiro é tomado pela pandemia do coronavírus. Prontamente, o governo foi convocado a lutar contra esta doença, em nível federal, estadual e municipal, acionando em suas fileiras milhares de servidores públicos que, incondicionalmente, redobraram seus esforços para atenuar as agruras do povo brasileiro e, com ela, várias reflexões acerca de quem seriam os parasitas do país.
Seriam “parasitas” os servidores da saúde, médicos, enfermeiros, auxiliares e demais agentes sanitários, dentre outros servidores que estão na linha de frente dessa grave crise sanitária? Muitos seriam os exemplos de dedicação, tais como os servidores da segurança pública, membros das Forças Armadas, policiais civis e militares, agentes municipais e penitenciários, a resguardarem a integridade física da população, a disciplinarem a circulação das pessoas e a evitarem que uma onda de violência e vandalismo tome conta do país.
O que dizer dos servidores das carreiras de Estado, como os do Fisco, que estão empenhados em viabilizar os recursos públicos necessários à manutenção da estrutura sanitária brasileira, na medida exata da crise econômica provocada pela covid-19? Além de, sobretudo, orientar a população brasileira sobre os seus direitos e deveres na área fiscal, a exemplo do que ocorre com a operacionalização do auxílio emergencial, algumas vezes empacado com problemas no CPF, ou com a condução do contribuinte no cumprimento das suas obrigações tributárias para com os Estados e Municípios? Eis uma boa reflexão ao encontro de outras as quais demonstram a importância econômico-financeira do servidor público dentro da sociedade.
Quando essa pandemia passar, ficará a lição que, longe do parasitismo, os servidores constituem parte indissociável do hospedeiro. Sem o servidor público o Estado não sobrevive. Não avança. Sem o servidor o Estado não consegue proteger os cidadãos.
Parasita e hospedeiro são, na verdade, faces da mesma moeda, cifras do mesmo código genético do mesmo DNA, hardware e software da mesma máquina. Um depende do outro para servir a população, diminuir as desigualdades, realizar políticas públicas, garantir recursos para que segurança, educação e saúde sejam efetivadas.
Há quem diga que o planeta Terra pós-pandemia não será o mesmo. Surgirá um novo ser humano. Mais solidário, mais empático, mais grato ao seu semelhante. Nunca estaremos tão próximos, depois de ficarmos tão afastados.
Dentro desse clima, todos terão a certeza de que o servidor público exerce seu papel social ao País, afastando-se a falácia do qual foi vitimado e que ardilosamente quiseram disseminar junto à população brasileira. Um novo despertar nos aguarda.
*Marcos Carneiro – Auditor fiscal do Estado da Bahia e vice-presidente da Febrafite (Federação Brasileira de Auditores Fiscais Estaduais)
**Vladimir Morgado – Auditor fiscal do Estado da Bahia e diretor jurídico do Instituto de Auditores Fiscais da Bahia (IAF)