Por João Pedro Casarotto | Congresso em Foco
São três os biombos que escondem e protegem o crescimento explosivo da dívida pública federal (DPF), que se tornou num dos maiores mecanismos de transferência de renda de toda a sociedade para um ínfimo grupo social.
Para ampliar a capacidade de investimento público, a chamada Regra de Ouro da Constituição Federal (art. 167, III) só autoriza o endividamento dos entes federados para a realização de despesas de capital, que são aquelas que contribuem diretamente para a formação ou aquisição de um bem de capital, como a execução de obras e a aquisição de imóveis.
No entanto, o governo central vem se endividando para custear a despesa com a dívida pública – que é despesa corrente – e para evitar o descumprimento do mandamento constitucional a registra como se fosse despesa de capital, a exemplo da contabilização da dita correção monetária incidente sobre o estoque da DPF e a da paga no resgate de títulos desta dívida.
O biombo que oculta este procedimento atécnico está amparado por inconstitucionais dispositivos legais, que permitem a adoção deste drible elástico que tem resultado em uma prejudicial contabilidade criativa.
Aliás, este tema é excelentemente abordado no estudo especial sobre a regra de ouro elaborado pela Instituição Fiscal Independente do Senado Federal brasileiro. O outro biombo é aquele que sombreia parte da DPF.
O relatório sobre a DPF, amplamente divulgado e analisado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), não considera como dívida o valor dos títulos emitidos pelo tesouro e entregues ao Banco Central para que este faça a dita política monetária.
Ocorre que ao realizar esta política, o Banco Central entrega – por meio das operações compromissadas – estes títulos para o setor financeiro, portanto é preciso somar estes valores para obtermos o efetivo montante da DPF, que, aliás, não é pouco, pois em dezembro de 2017, o total destes títulos chegou a R$ 1,7 trilhão, que representava 32% da DPF ou 25% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Ajustando-se a conta, em dezembro de 2017 a DPF chegou a 80% do PIB (em 12/1999 era 40%) e se a compararmos com a receita corrente líquida da União – critério mais apropriado devido, entre outros motivos, ao seu curto prazo de vencimento – temos que ela atingiu o índice de 7,2% (em 12/1999 era 3,4%). Ou seja, nessa data seriam necessárias mais de sete receitas líquidas anuais para poder quitar esta dívida.
O terceiro e mais festejado de todos é o biombo do falacioso resultado primário e seus decorrentes superávits ou déficits.
O superávit primário acontece quando o valor de todas as receitas correntes supera as despesas do governo, mas destas é subtraído o pagamento dos juros.
Como de dezembro de 1999 a dezembro de 2013 ocorreram superávits primários, passou-se para a nação a ideia de que tudo estava indo muito bem, afinal estaríamos conseguindo recursos para reduzir o endividamento do governo central e com isto viabilizaríamos os investimentos impulsionadores do desenvolvimento do nosso país.
A fantasia foi rasgada quando o inevitável apareceu: de 2014 a 2017 ocorreram déficits primários e a nação se deu conta de que a DPF havia crescido a ponto de se tornar explosiva.
Estes biombos foram construídos para liberar o endividamento federal e com isto permitir transferências de vultosas rendas da sociedade brasileira para o desestruturante rentismo.
A centralização política, tributária, econômica, administrativa e financeira que vem se acentuando no Brasil tem permitido a fortificação de um superior estamento burocrático, que tem provocado a anomia governamental federal e o seu consequente alastramento para todos os demais entes da federação.
Este estamento tirânico também está amparado pelo Senado Federal, pois os senadores estão descumprindo a obrigação que lhes foi imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que é o de estabelecer um limite para a DPF.
O Senado, a Câmara e o Tribunal de Contas da União não estão cumprindo com a obrigação de evitar este tipo de desmando a fim de, inclusive, proteger a federação, única forma de organização do Estado brasileiro que viabiliza o desenvolvimento nacional e que, até por isto, foi estabelecida por sucessivas assembleias nacionais constituintes.
Este estado de coisas tem provocado alta concentração de renda e acentuada diminuição de postos de trabalho provocando a atual deterioração social e econômica, que tem levado crescente massa de jovens a não obter renda para atender aos apelos de consumo que lhes são dirigidos, o que os leva ao subemprego, à frustração, à revolta, à violência, ao individualismo e ao hedonismo.
Caso continuemos com essas omissões, se vislumbram duas perigosas consequências: 1) rogo ao Fundo Monetário Internacional e/ou ao Banco Mundial, com a submissão de políticas públicas e a entrega dos meios de produção e da infraestrutura para multinacionais ocidentais; e/ou 2) rogo à China, com entrega dos meios de produção e da infraestrutura para empresas estatais chinesas.
*João Pedro Casarotto é auditor fiscal em Porto Alegre (RS)
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Artigo publicado no portal Congresso em Foco, em 14/6/18: https://bit.ly/2l9X1WT