Valor da dívida do governo do Estado cresceu 50% desde dezembro de 2017 e representa 3,7 vezes o orçamento anual para a Educação
Sem condições de pagar o piso nacional do magistério como manda a lei, o governo do Rio Grande do Sulacumula um passivo de R$ 33,8 bilhões e é alvo de 130 mil processos na Justiça. O valor cresceu 50% desde dezembro de 2017, é 3,7 vezes maior do que o orçamento anual da Educação e pode se transformar em uma bomba financeira no futuro, dependendo dos rumos do caso no Supremo Tribunal Federal (STF).
Aprovada em 2008, a norma é alvo de debate desde que entrou em vigor. Embora tenha sido validada pelo STF em 2011, continua no centro de um imbróglio jurídico.
Hoje, educadores de escolas públicas com contratos de 40 horas semanais não podem receber vencimento básico abaixo de R$ 2.557,74 no país. No caso do Estado, considerando a mesma carga horária, o valor é de R$ 1.260,16.
Para que ninguém ganhe menos do que o piso, o governo paga uma parcela extra mensal, chamada de “completivo”. Só que a verba adicional não incide no básico, o que originou a enxurrada de processos.
A medida alternativa começou a ser adotada em 2012, na gestão de Tarso Genro (PT), e segue valendo até hoje, sob a justificativa de que não há dinheiro para a aplicação da regra de outra forma. Uma das explicações para isso é o formato do plano de carreira do magistério, considerado um patrimônio pelo Cpers-Sindicato.
Prestes a completar 45 anos, o texto estabelece a remuneração básica como referência para todas as etapas da vida docente, que se divide em seis classes, com seis níveis cada. Sempre que o valor é reajustado, a alta repercute na totalidade da folha, inclusive em aposentadorias, vantagens e gratificações. Como a categoria é numerosa (161,2 mil matrículas, entre ativos, inativos e contratos temporários), o impacto é bilionário.
Se o básico fosse reajustado para atingir o piso, o custo chegaria a R$ 5,98 bilhões somente em 2019, segundo a Secretaria da Fazenda – já o completivo exigirá R$ 333 milhões. Seria como pagar quatro folhas a mais no ano – o Estado mal consegue quitar uma em dia e ainda tem o 13º de 2018 para honrar. Além disso, o aporte levaria ao descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Para negociar, sindicato quer reposição de perdas
O problema é que a opção pelo completivo tem efeitos colaterais. Um deles é o achatamento salarial. Como as remunerações do magistério estão congeladas desde o fim de 2014 e o piso passou de R$ 1.697 para os atuais R$ 2.557,74, o percentual de educadores ganhando o completivo deu um salto no período: eram 12,6% em 2014 e agora são 47,5% do total. Em razão disso, considerando apenas o básico e o completivo, já há casos de docentes com Ensino Médio recebendo valores semelhantes aos de colegas com especialização. A discrepância desestimula os professores.
A saída para o impasse, na avaliação do secretário estadual da Educação, Faisal Karam, passa pela revisão do plano, que nunca foi atualizado. Por enquanto, ele trabalha em levantamento mais amplo, sobre todos os assuntos que envolvem a pasta, para entregar ao governador Eduardo Leite em 15 dias. Somente depois se debruçará sobre o tema.
– A partir daí, serão traçados os caminhos que iremos tomar nos próximos meses, mas é inevitável que tenhamos uma discussão com a categoria, de forma responsável, não com a intenção de punição.
Sei que o assunto é delicado, e os professores não são culpados da crise, mas o plano é de 1974 e tem muitas situações que precisam ser reavaliadas – pondera Karam.
Embora as mudanças ainda não estejam definidas, a possibilidade de perda de direitos preocupa a presidente do Cpers-Sindicato, Helenir Aguiar Schürer, que já pediu audiência com o governador e aguarda ser chamada para conversar.
A líder sindical teme que o piso nacional acabe por se transformar no teto estadual e ressalta que o achatamento vem sendo agravado pela suspensão de promoções e progressões de carreira, em vigor desde a gestão passada. Diz que o Cpers não aceitará negociar modificações sem antes garantir, no mínimo, a reposição das perdas. A defasagem do básico em relação ao piso é de 103%.
– Falam em mexer no plano e cortar gratificações, mas não vemos nenhum movimento para recuperar as nossas perdas.
Em dezembro de 2014, nossa folha consumia 37,8% do orçamento do Estado. Em outubro de 2018, baixou para 30,7%. Não existe sociedade no mundo que tenha melhorado índices de educação sem valorizar seus profissionais. Em um Estado que dá R$ 9 bilhões por ano só de incentivos fiscais, não pode faltar dinheiro para os professores – afirma Helenir.
- O percentual caiu em 2014 devido a reajustes concedidos pelo governo Tarso Genro (PT) nos salários básicos dos professores. Em razão disso, menos docentes precisaram receber a parcela complementar.
- O aumento do percentual de 2015 para cá se explica, principalmente, pelo fato de que, desde novembro de 2014, os professores não receberam mais reajuste no básico.
- Com isso, o número de mestres com completivo aumentou.
Vencimento básico no Estado
- Os professores em início de carreira (Classe A, Nível 1) recebem vencimento básico de R$ 1.260,16, para 40 horas de trabalho. No topo da carreira (Classe F, Nível 6), o básico é de R$ 3.780,48. Dos seis níveis, três envolvem habilitações em extinção, que não são mais válidas para o exercício da profissão (ex.: professores com curso de magistério em nível médio).
Outros benefícios
- Além desses valores, há incentivos como vantagens temporais (triênios), gratificação de difícil acesso (cujos critérios são os mesmos desde os anos 1990), unidocência (para regentes de classe), vale-refeição e auxílio-transporte.
Ainda sem solução
Uma polêmica de 11 anos
- A lei do piso nacional do magistério foi sancionada em 2008, determinando que nenhum professor da rede pública da Educação Básica receberia vencimento básico inferior a R$ 950 por 40 horas semanais e que o valor seria reajustado anualmente. Hoje, o piso vale R$ 2.557,74 .
- Sem recursos para bancar a conta, governos estaduais (inclusive o do Rio Grande do Sul) entraram com ações na Justiça alegando que a norma era inconstitucional. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou a lei, mas a discussão sobre a aplicação persiste.
- Não há punição prevista para quem descumpre a regra, porém o passivo vai se acumulando e pode gerar problemas financeiros no futuro.
A impossibilidade de pagamento
- O governo estadual argumenta que não tem dinheiro para aplicar o piso sobre o vencimento básico devido ao formato do plano de carreira do magistério.
- Ao todo, são seis classes com seis níveis cada, cujos valores são definidos a partir do vencimento básico inicial, que é de R$ 1.260,16 para 40 horas semanais.
- Sempre que o Executivo aumenta o valor básico inicial, gera efeito-cascata em todos os demais níveis e classes, com repercussão na folha dos aposentados e nas gratificações e vantagens.
- Somente para 2019, pagar o piso como manda a lei (no básico da carreira) representaria um aporte de R$ 5,98 bilhões. Seria como pagar quatro folhas a mais do Executivo.
- O plano de carreira é de 1974 e nunca foi atualizado, porque o Cpers-Sindicato teme a perda de direitos. O governo de Eduardo Leite planeja propor alterações, que ainda estão em estudo.
O imbróglio judicial no RS
- Em 2011, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP) ingressou com ação contra o Estado exigindo o cumprimento integral da norma.
- Em 2012, após acordo com o MP, o governo passou a pagar parcela complementar mensal (completivo) aos professores, para que nenhum ganhasse menos do que o piso. Como esse adicional não altera o vencimento básico, a ação seguiu tramitando.
- Ainda em 2012, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) determinou que o piso fosse pago sobre o vencimento básico, tendo como referência o plano de carreira.
- A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que era inviável aplicar a lei do piso sobre o plano.
- Em 2017, o STJ acolheu parcialmente o recurso, mantendo a exigência de pagamento mas determinando que o TJ reexaminasse aplicação do piso sobre a matriz do plano de carreira.
- A Procuradoria entrou com recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF) por entender que a decisão do STJ deixou de fora alguns pontos, como a necessidade de previsão orçamentária.
- O recurso foi admitido em março de 2018 e ainda não há data para exame no Supremo.
O tamanho do problema
- Dependendo do resultado da discussão, o passivo do Estado com os professores (R$ 33,8 bilhões) pode triplicar a dívida com precatórios (R$ 15,1 bilhões). As 130 mil ações estão suspensas até que a resolução do impasse.
O completivo
- Hoje, 76.514 educadores (47,5% da categoria) recebem o adicional. Para o ano de 2019, a previsão é de R$ 333 milhões
Fonte: Zero Hora
Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS