PEC 32/2020: modernização ou constitucionalização do modus operandi?

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Mudança deixa o caminho totalmente livre para projetos ilegítimos de poder

Por: ISMAR VIANA e RODRIGO KEIDEL SPADA

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A Reforma Administrativa tramita sob o argumento da necessidade de melhoria do Estado brasileiro, mas, além de não apresentar dados, também não contempla os caminhos para a solução dos problemas apontados pelos seus defensores. A título de exemplo, a mudança no processo de escolha dos agentes públicos, um dos objetos da reforma, tem levado segmentos institucionais, acadêmicos e ligados à economia a questionarem os fins a que essas mudanças se prestam. O risco é ainda maior por estarem sendo levadas a cabo em um momento pandêmico, sem possibilidade de um debate amplo com força capaz de evidenciar a fabricada narrativa de urgência.

Referidos segmentos, em debates verdadeiramente plurais, vêm levantando os seguintes questionamentos: as medidas propostas têm o potencial de promover o enxugamento anunciado da máquina pública ou servirão de estímulo ao inchaço dela? Essas medidas criam condições para a profissionalização da Administração Pública ou apresentam riscos à qualidade na prestação dos serviços públicos ofertáveis aos cidadãos?

Esses questionamentos vêm sendo feitos em razão da ruptura do constitucional e democrático processo de escolha de agentes para a prestação de serviços públicos – adotado por modelos republicanos – que passarão a ser prestados por servidores, em sua maioria, comprometidos exclusivamente com planos de governo, e não com planos de Estado, sem a imparcialidade necessária para refutar medidas lesivas ao patrimônio público brasileiro.

Se for aprovada a mudança do inciso V do art. 37 da CRFB/88, por exemplo, os cargos de liderança e assessoramento serão destinados às atribuições estratégicas, gerenciais e até mesmo técnicas, ocupáveis, sem filtros, por agentes suscetíveis a interferências e vulneráveis às pressões, num formato que colocará em risco a concretização do princípio da continuidade dos serviços públicos e deixará o patrimônio público à mercê de sazonalidades de planos governamentais gestados para garantir a manutenção de projetos ilegítimos de poder.

Ora! Esse já não é um dos graves problemas de hoje, mesmo com os filtros existentes? Removendo-se os mecanismos de proteção ao interesse público na ocupação desses cargos, o que sobra? Se a proposta quer atingir efetividade e qualidade, não é mais intuitivo fortalecer as exigências de qualificação e proteção na ocupação de cargos estratégicos, gerenciais e técnicos? Pois é! Ao invés disso, a PEC 32 deixa o caminho totalmente livre, removendo os entraves atuais a que tais projetos ilegítimos de poder/governo sejam livremente implementados.

Não se pode olvidar que a independência funcional, sem prejuízo da unidade institucional, pavimenta caminho sólido para a imparcialidade no agir estatal, para a defesa da probidade na arrecadação, gestão e controle dos recursos públicos, e exatamente por isso, o legislador constituinte originário buscou instituir garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.

E essa preocupação com a independência e a imparcialidade também é refletida no plano internacional, do que resulta possível concluir que são elementos indispensáveis à boa e regular prestação dos serviços ofertáveis aos cidadãos, que mantêm todo o aparato estatal, independente de forma de Estado, sistema ou regime de governo, exatamente porque aludidos elementos têm se revelado, de igual forma, essenciais à interdição de arbítrios dos poderes públicos.

Não por outra razão, as metas 16.5, 16.6 e 16.7 do Plano de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030, da ONU, têm a independência funcional como núcleo essencial e meio indispensável ao alcance da imparcialidade institucional, conforme também positivado no artigo 6º da Convenção de Mérida sobre corrupção, preocupação reafirmada, em igual sentido, na Resolução n. 1, de 2018, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que versa sobre Direitos Humanos e Corrupção, alicerçando-se no argumento de que a corrupção atinge os direitos humanos em sua integralidade, comprometendo as instituições democráticas e, por via de consequência, a governabilidade, agravando, assim, as desigualdades sociais[1].

Fonte: artigo publicado no portal jurídico JOTA – https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pec-32-2020-modernizacao-ou-constitucionalizacao-do-modus-operandi-30052021


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