Após reunião de Sartori com Padilha, Advocacia-Geral da União determinou a criação de câmara de conciliação entre órgãos estaduais e federais para viabilizar adesão do Estado ao regime
Depois de meses de indefinição, marcados por tensão, boicotes e divergências internas, um novo agente entrou em cena, em Brasília, para destravar a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal – cujas negociações chegam a uma etapa decisiva a partir desta segunda-feira. Por determinação do Palácio do Planalto, a Advocacia-Geral da União (AGU) assumiu o papel de mediadora nas discussões, e os primeiros resultados começaram a aparecer: com relações estremecidas desde 31 de julho, técnicos do Piratini e da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) voltaram a trocar informações.
A partir de agora, o governo de José Ivo Sartori planeja concluir o plano de ajuste do Estado nos próximos dias. A intenção é apresentá-lo ao Ministério da Fazenda na semana que vem, provavelmente no dia 4 de outubro.
O documento incluirá medidas polêmicas em estudo, como a possível prorrogação do aumento das alíquotas de ICMS, a privatização ou federalização de seis estatais e o congelamento de salários de servidores e de concursos públicos, no mínimo, até 2020.
Com a anuência da AGU, Sartori pretende entregar o texto e já alinhavar a assinatura do pré-acordo de adesão. A avaliação é de que isso ajudará o governo a convencer a Assembleia a chancelar a assinatura definitiva. As conversas com a base devem começar ainda nesta semana.
Na prática, o Piratini não tem unanimidade nem mesmo entre os aliados, como revelou reportagem publicada por ZH no último dia 11. Sem o aval dos deputados, o governo não conseguirá assegurar a suspensão da dívida por três anos nem obter autorização para novo financiamento.
– A palavra final será da Assembleia. Esperamos que os parlamentares esqueçam que estamos em ano pré-eleitoral e deixem de lado questões políticas e partidárias para pensar no Estado – defende o líder do governo na Casa, Gabriel Souza (PMDB).
– A verdade é que não temos alternativa. Sem o acordo, a situação vai piorar – adverte o secretário da Fazenda, Giovani Feltes.
A verdade é que não temos alternativa. Sem o acordo, a situação vai piorar
Sob forte pressão, Sartori e a equipe têm a esperança de que os legisladores se sensibilizem frente ao agravamento da crise. No próximo dia 29, data do pagamento da folha de setembro do Executivo, o cenário tende a se deteriorar em relação ao mês passado – quando o governo depositou uma faixa inicial de apenas R$ 350 aos servidores, a mais baixa desde que os parcelamentos começaram, em 2015. Como não há receitas extras previstas, a primeira parcela, dessa vez, tende a ser ainda menor.
O que é o regime de recuperação fiscal
– É uma alternativa criada pelo governo federal para socorrer Estados em calamidade financeira, como RS e RJ, em troca de uma série de contrapartidas.
– Os Estados podem solicitar adesão e, a partir daí, firmar acordos com a União com a duração de três anos, prorrogáveis por mais três.
– Os benefícios incluem carência no pagamento da dívida pelo período de adesão e autorização para novos financiamentos com o objetivo de reequilibrar as contas.
Como funciona a adesão
– O Estado interessado deve apresentar um plano de recuperação fiscal, que será avaliado no Ministério da Fazenda.
– No documento, deve listar em detalhes todas as medidas que se compromete a adotar para zerar pendências e atingir o equilíbrio fiscal no prazo definido.
– Se os técnicos entenderem que o plano é realista, o Estado poderá aderir, mas isso terá de ser aprovado na Assembleia.
Principais contrapartidas exigidas pela União
– Privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento, entre outros, para a quitação de passivos.
– Oferta de ativos como garantia para a obtenção de novos financiamentos, no dobro do valor solicitado.
– Congelamento de salários de servidores e proibição de contratação de novos funcionários.
O que o governo do RS busca
– Carência no pagamento da dívida por pelo menos três anos (fôlego de R$ 9,5 bilhões), e aval para um financiamento de R$ 3 bilhões.
Os pontos polêmicos
– Ao final do período de carência da dívida, os valores não pagos elevarão o passivo em R$ 10,5 bilhões (R$ 1 bilhão em juro e correção).
– A obtenção de novo financiamento aumentará a dívida com instituições financeiras.
– Para os críticos, o acordo é insuficiente para solucionar a crise e as contrapartidas são excessivas. O governo argumenta que não há alternativa.
O plano de recuperação do RS
Em fase de finalização, o plano deve ser entregue pelo governador José Ivo Sartori ao Ministério da Fazenda na próxima semana. Confira os principais pontos em debate:
1) Prorrogação do aumento de ICMS
– Em 2015, o governo aprovou na Assembleia o aumento de alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com vigência até 2018.
– Se as alíquotas voltarem ao patamar de 2015, o governo diz que não será possível reequilibrar as contas até 2020, por isso avalia pedir a prorrogação, que terá de passar pela Assembleia.
2) Privatizações ou federalizações
– O governo estuda propor a alienação de pelo menos seis estatais:
– Com necessidade de plebiscito: Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás.
– O governo tentou aprovar proposta para vender essas empresas sem a necessidade de consulta pública. Não conseguiu. Como alternativa, decidiu pedir aval dos deputados para fazer plebiscito em 2018, mas, até agora, não teve êxito por falta de apoio. Agora, estuda a possibilidade de reapresentar a proposta inicial.
– Sem necessidade de plebiscito: Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), Badesul e a parte do Estado no Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).
– Para poder alienar esses órgãos, o governo terá de aprovar projetos de lei na Assembleia. No caso do BRDE, a parte do Estado poderá ser oferecida a Paraná e Santa Catarina ou ser federalizada, com a anuência dos parceiros. Quanto à EGR, o governo pode extinguir o órgão para oferecer a concessão das rodovias pedagiadas como ativo.
3) Custeio da máquina
– O plano vai prever o congelamento dos salários dos servidores públicos estaduais pelo menos até 2020.
– Não serão criados cargos ou funções nem haverá alteração de planos de carreira que resultem em aumento de despesa nesse período.
– Contratações serão congeladas, exceto para a reposição de aposentadorias em áreas essenciais, como saúde, segurança e educação.
4) Isenções fiscais e depósitos judiciais
– O plano deve prever a redução de 10% dos incentivos fiscais concedidos pelo Estado e o fim dos saques dos depósitos judiciais (recursos de pessoas e empresas em litígio na Justiça, que o Estado “pega emprestado” desde 2004 para cobrir buracos nas contas).
5) Maior rigor sobre pensões
– O Estado incluirá no plano o compromisso de adequar os critérios de concessão de pensões à lei federal nº 13.135, de 2015. Isso se dará via projeto a ser enviado à Assembleia.
– Uma das mudanças é o fim das pensões vitalícias para cônjuges com idade inferior a 44 anos. Outra é a necessidade de comprovação, pelos pensionistas, de pelo menos de dois anos de união estável para ter o benefício em caso de morte do titular.