Na reta final da gestão do governador José Ivo Sartori (PMDB) à frente do Palácio Piratini – faltam cinco meses até o primeiro turno das eleições e oito meses até o fim do mandato do peemedebista -, o governo tem talvez seu maior desafio político: viabilizar o plebiscito que pode autorizar a privatização das companhias Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Riograndense de Mineração (CRM) e de Gás do Rio Grande do Sul (Sulgás), pré-requisito imposto pelo governo federal para que o Estado possa aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
O novo secretário-chefe da Casa Civil, Cleber Benvegnú, avalia que, embora a oficialização da consulta popular, em si, não garanta a retomada de financiamentos, ela serve como “uma sinalização de que o governo está tentando cumprir uma das exigências do RRF, que é entregar um ativo”. Segundo ele, a esperança de sensibilizar pelo menos os 28 votos necessários na Assembleia Legislativa está presente. “Confiamos firmemente que a grande maioria dos deputados, inclusive a oposição, será a favor de ouvir a população”, projeta. Ele também crê que o pré-acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) possa sair ainda neste mês, mas expressa cautela. “Também têm condicionantes que não dependem de nós”, entre elas o entendimento de que o Estado gasta atualmente pelo menos 70% da Receita Corrente Líquida (RCL) com pessoal, tese rechaçada pelo próprio Tribunal de Contas do Estado (TCE). “A questão é equalizar essa interpretação”, admite.
Nessa entrevista ao Jornal do Comércio, Benvegnú também disse que o governo deve concluir a duplicação da RS-118 neste ano, “se não houver obstáculos jurídicos pela frente”; e encaminhar a concessão de pelo menos uma rodovia gaúcha, “provavelmente a RS-324, de Passo Fundo a Nova Bassano”.
Jornal do Comércio – Qual a expectativa quanto às negociações com o governo federal, o pré-acordo do RRF sai em maio?
Cleber Benvegnú – Acho que o pré-acordo pode sair em maio, mas também têm condicionantes que não dependem de nós. O plano está criado, está equilibrado. Tem a última questão pendente, aquela questão de interpretação sobre o gasto com o pessoal – que, na prática, ninguém tem dúvida que o Estado gasta mais de 70% com pessoal. A questão é equalizar essa interpretação.
JC – Justamente na questão do comprometimento da receita com gasto de pessoal, houve um ponto de conflito com o TCE, que, além de entender que isso está aquém dos 70%, também suspendeu o processo de extinção das fundações. O governador declarou que o TCE não tem essas competências.
Benvegnú – Não é um conflito. É uma divergência respeitosa, mas é uma divergência que temos. O governador disse, e eu reafirmo, é uma compreensão de que, nesse caso, não é o papel do Tribunal de Contas obstaculizar um processo que foi legitimado pelo Poder Legislativo. Uma proposta do Poder Executivo avaliada, reavaliada, discutida amplamente pela Assembleia Legislativa. Nós respeitamos, vamos cumprir as exigências do Tribunal de Contas. De qualquer modo, vamos tentar suprir a divergência, recorrer ao Judiciário eventualmente, se houver necessidade disso, mas vamos dar curso à lei que decidiu. Esse processo já está legitimado pelo contexto das instituições democráticas. Isso precisa ser respeitado também. Estou fazendo o que eu sempre disse que o governo iria fazer: os serviços essenciais serão feitos e já estão sendo assumidos pela administração direta. Os serviços que não são essenciais deixarão de ser feitos. Esse é o caminho. Tenho certeza de que, em algum tempo, vai ficar muito claro que nós conduzimos o Estado para aquilo que é mais importante: saúde, segurança, educação e reduzirmos estruturas – cortamos alguns privilégios, embora, para isso, tenhamos que comprar algumas brigas.
JC – Na semana passada, o governo enviou o projeto para novamente tentar viabilizar a realização do plebiscito que autoriza a privatização ou federalização de CEEE, Sulgás e CRM. Quais os próximos passos para a aprovação da consulta? Como o governo está articulando com os deputados?
Benvegnú – Nós trabalhamos, em um primeiro momento, para compreender e viabilizar qual pedido a gente poderia manejar de novo, regimentalmente, legalmente. Conversamos com vários deputados, principalmente com a bancada do PMDB, com outros deputados de outros partidos também, sinalizando que o governo iria ter esse encaminhamento. Agora, formalizamos (o projeto), e ele entra na fase da negociação propriamente dita. O (líder do governo) Gabriel (Souza, PMDB) está envolvido nisso, o governador e o vice (José Paulo Cairoli, PSD) também vão trabalhar pessoalmente. Estou fazendo algumas agendas para esta semana com setores da sociedade, setores produtivos, para explicar as nossas intenções. Vamos conversar muito sobre isso. Tem que crescer a compreensão social sobre o assunto.
JC – O governo está prevendo que clima para a discussão?
Benvegnú – Nós vamos ter que tentar fazer do jeito mais sereno possível. Essa pauta provoca reações, porque trata de interesses de pessoas, de grupos, de setores, o que é compreensível do ponto de vista político. O governo decidiu, mesmo com isso, enfrentar o tema, porque compreende que ele dialoga com uma visão de futuro do Estado. Então, nós vamos agir com transparência, tentar mostrar a verdade, abrir o livro cada vez mais, porque isso não é uma pauta ideológica. Pode ter um fundo ideológico, não nego isso. Tem uma questão de visão de Estado por um lado, mas por outro lado tem um problema de gestão, um problema prático, de ordem financeira, de ordem objetiva, que o Rio Grande do Sul precisa responder.
JC – O argumento é que o foco seria em saúde, educação e segurança…
Benvegnú – É isso, porque, no caso da Sulgás, para ampliar seu alcance, o Estado teria que investir. A Sulgás não tem capital próprio para investir, e o Estado vai tirar de onde o investimento? Nós não vamos tirar de saúde, segurança e educação. Então não é só uma questão de bem-querença ou malquerença às empresas, é questão de decidir o que é bom ou ruim para o Estado.
JC – E a CEEE?
Benvegnú – A CEEE é mais grave, porque, para ter a manutenção da outorga, o acionista majoritário – no caso, o Estado – precisa aportar dinheiro imediato. E aí, vai tirar de onde se quiser manter a CEEE? No caso da Sulgás, estudos mostram que a projeção, com investimento em gás, provavelmente em pouco tempo, só o ICMS gerado por um investidor vai dar mais retorno para o Estado do que a própria Sulgás.
JC – Encaminhando o plebiscito, isso já pode ajudar na liberação de financiamento?
Benvegnú – Ainda não. Acho que sinaliza um esforço do governo para que isso ocorra, por exemplo, em relação à manutenção da liminar (que adia o pagamento da parcela da dívida com a União), acho que é uma sinalização no mundo dos fatos de que o governo está tentando cumprir uma das exigências do Regime de Recuperação Fiscal, que é entregar um ativo. Se nós fizermos o pré-acordo, ele já resolveria essa parte, daríamos um passo importante. O que nós não podemos hoje, ou amanhã, é pagar essa parcela da dívida. Porque aí, realmente, fica uma situação de caos no Estado. Então, acho que, neste ano, os grupos políticos precisam dar respostas muito concretas para o Estado. Nós precisamos falar com os números objetivos que tem pela frente, com os problemas reais. Não é mais tempo de encantamento verbal.
JC – Facilita fazer a consulta junto com a eleição?
Benvegnú – Acho que amadurece o debate político do Rio Grande do Sul a partir de um problema objetivo da realidade, que podemos tratar já no processo eleitoral. Isso abre lastro para mais modificações. Ainda tem muita coisa que precisa mexer, modernizar, avançar, direcionar o Estado para as áreas essenciais. Isso desperta um clima político tenso, mas vamos tratar com serenidade. Mas creio que o plebiscito possa não despertar tanta contraposição política, porque não imagino que possa ter algum setor que seja contra ouvir a população, pelo menos.
JC – Tem voto no plenário?
Benvegnú – São 28 votos. Isso nós vamos ver mais adiante. Nós confiamos firmemente que a grande maioria dos deputados, inclusive a oposição, será a favor de ouvir a população em um plebiscito.
JC – Tem algum recurso que possa vir para ajudar nas contas, para colocar os salários em dia ou injetar recursos no final do ano?
Benvegnú – Vamos seguir na contenção de despesas, não há financiamentos ainda. Nós estamos recuperando financiamentos do Bndes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), mas para estradas, são vinculados. O governador sempre cuidou de dizer que os problemas não estão resolvidos, (que esse) é um caminho. Passos importantes foram dados, sementes foram plantadas nesse tempo. Isso que nós reduzimos o déficit de R$ 25 bilhões para R$ 7 bilhões – sem o RRF, pois vai ser ainda menos. Então é um avanço grande, mas é um caminho. A área da Previdência, por exemplo, está em R$ 10 bilhões de déficit anual, isso vai durar uns 20, 25 anos para ter uma situação de equilíbrio. Houve muito quem sugerisse ao governador ter uma atitude mais “espalhafatosa” em termos de vender uma hipotética esperança. A esperança existe, mas ela tem base na realidade. Esse processo precisa ter continuidade. Se amanhã vier um governo irresponsável e demagógico, que só diz sim e acha que o mundo é um mar de rosas, o Estado afunda mais ainda. Demagogia pode ter na esquerda e na direita. Sempre quem paga a conta é a população, principalmente os mais pobres.
JC – Há oito meses de governo pela frente. Quais serão as prioridades desse período?
Benvegnú – Têm muitas entregas de projetos que foram construídos durante esses três anos e que agora amadureceram, vão se materializar. Primeiro, nós queríamos materializar o RRF, que é prioridade, nós estamos muito perto disso, pelo menos do pré-acordo. Isso significa o quê? Equilíbrio financeiro, sustentabilidade do Estado, uma possibilidade de oxigênio para conseguir construir ainda esses anos de recuperação do Estado. (Vamos) tocar as obras da RS-118, que estão avançando muito. O programa de Parcerias Público-Privadas (PPP) da Corsan; centros da juventude, que são seis previstos para Porto Alegre e Região Metropolitana. Nas concessões, que é um processo que nós estamos amadurecendo, queremos avançar também.
JC – A duplicação da RS-118 vai ser concluída neste ano?
Benvegnú – A duplicação é certo que vai avançar bastante, porque tem verba e foco prioritário do governo do Estado destinado para isso. Agora, se vai ir até o fim, depende um pouco do aparato jurídico. Se alguém entrar com uma liminar amanhã querendo interromper a obra, e a Justiça conceder, bem, eu não posso ser responsável por responder coisas que não dependem só do governo Já demonstramos que isso é prioritário, investimos como nenhum outro (governo), desobstruímos um monte de entraves burocráticos que estavam lá por todos os lados: ambientais, com as famílias, de concepção da comunidade, e destinamos verba prioritária para isso.
JC – Dentro da realidade de agora, é possível concluir neste ano?
Benvegnú – É bem provável que a gente conclua se não houver obstáculos jurídicos pela frente.
JC – Sobre a concessão de estradas, é possível ocorrer algum processo de concessão nesta gestão ainda?
Benvegnú – É que tiveram duas partes. Primeiro se aprovou o projeto e depois o marco regulatório. É possível, sim. Nós levamos esse tempo todo para fazer a modelagem. A KPMG, que é uma empresa internacional, que já fez projetos para o mundo todo, foi levantar, nas estradas, exatamente as necessidades, custo, duplicação, fazer um exercício de possibilidade de menor preço, desembolso e custo para ter isso profissionalmente. Agora, nós precisamos ter precauções de ordem jurídica para não colocar um negócio na rua e, no dia seguinte, sofrermos empecilhos jurídicos, administrativos, para-administrativos e tal. Então nós vamos tentar fazer uma concertação prévia, para com os órgãos de fiscalização e controle.
JC – Qual rodovia pode vir primeiro?
Benvegnú – Provavelmente, a RS-324, de Passo Fundo a Nova Bassano.
Perfil
Cleber Benvegnú nasceu em Casca, na Região do Planalto, em 5 de outubro de 1977. Graduou-se em Jornalismo em 2010 pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), e em Direito, pela Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos), em 2005. A partir deste ano, atuou como empresário na área de comunicação, à frente da Critério. Antes, fez carreira no banco HSBC, e foi assessor executivo das diretorias do Banrisul, durante os governos de Germano Rigotto (PMDB, 2003-2006) e Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010). Sem filiação partidária, ingressou na gestão de José Ivo Sartori (PMDB) à frente do Palácio Piratini em 2015, como parte da cota técnica do governador, e comandou a Secretaria de Comunicação de janeiro 2015 até abril de 2018, quando assumiu a chefia da Casa Civil do governo. Benvegnú é o terceiro a ocupar a pasta, tendo sucedido Márcio Biolchi (PMDB) e Fábio Branco (PMDB).
Fonte: Jornal do Comércio
Foto: MARCELO G. RIBEIRO/JC – Jornal do Comércio