Passados dois anos de mandato do governo de Jair Bolsonaro, a reforma do modelo tributário nacional segue sem rumo, colocada em terceiro plano por sua equipe econômica. E, ao que parece, o Executivo Federal vem se especializando em jogar para a plateia temas que deveriam ser prioritários para o País.
Em meio à cobrança de caminheiros, categoria que apoiou Bolsonaro nas eleições de 2018, o governo federal flerta com a inconstitucionalidade ao enviar ao Congresso Nacional projeto que altera a cobrança do ICMS sobre combustíveis, imposto de competência estadual.
O presidente responsabiliza os Estados pelo preço final do combustíveis, mas esses aumentos ocorridos a partir de 2017 são frutos da alteração da política de gerência de preços por parte da Petrobras, que prevê reajustes baseados na paridade do mercado internacional, e ignora que nas etapas de extração, produção, distribuição e comercialização de petróleos e seus derivados, incidem além do ICMS os tributos federais PIS/Cofins, IRPJ e a CSLL, conforme esclarece nota pública do Comsefaz (Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda), publicada no último dia 5, em resposta ao governo.
Ao avocar a competência tributária dos Estados junto ao ICMS, o governo terceiriza responsabilidades e desconsidera que já tramita no Congresso Nacional proposta encaminhada pela sua equipe econômica, o PL 3887/2020, que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços para substituir o PIS/Cofins.
Sem um plano realista e viável economicamente para atender a demanda dos caminhoneiros, o presidente parece querer terceirizar a questão e, numa espécie de chantagem, desafia os governadores a reduzirem o ICMS sobre os combustíveis. Em janeiro de 2020, chegou a dizer que poderia “zerar” tributos federais caso os chefes dos executivos locais também topassem acabar com a incidência do imposto estadual, sem, como é de seu costume, explicar como compensaria a perda de arrecadação que a medida acarretaria aos estados, municípios e o Distrito Federal.
Ainda sobre os combustíveis, em abril de 2019, o ministro da Economia prometeu reduzir pela metade o preço do gás de cozinha. Ele afirmou à época que seria necessário quebrar o monopólio do refino do petróleo (leia-se Petrobras) e acabar com a “roubalheira”. Mas, ao que parece, o governo federal vem falhando nessa missão, tendo em vista o patamar em que atualmente se encontram os preços desses produtos.
Se em matéria de economia, o ‘posto Ipiranga’ parecia inspirar confiança, a imagem inicial vem se desvanecendo devido à absoluta falta de prioridades, uma conduta errática e declarações que não se confirmam, como por exemplo aquelas inúmeras de que enviaria uma proposta de Reforma Tributária ao Congresso. Qual?
Até agora o que vimos foram os diversos balões de ensaio, a exemplo da proposta que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e ao Financiamento da Seguridade Social (Cofins), conhecida como “primeira” parte da proposta entregue pelo governo ao Congresso, em agosto do ano passado. Assim como a proposta encaminhada pela equipe econômica, o PL 3887/20, que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços para substituir o PIS/Cofins.
As prioridades desse governo parecem ser um conjunto de ideias dispersas, que brotam na cabeça do presidente para atender grupos que o apoiaram na campanha de 2018, como a bancada da bala, da bíblia, a ruralista, e outras, sem qualquer planejamento, nem vinculadas a um projeto de médio e longo prazo, sem direção e visão claras sobre o que queremos para o país.
Um exemplo da falta de percepção do que deveria ser prioritário são os decretos facilitando acesso a armas e munições, editados em 12 de fevereiro. Em evidente invasão da competência do Legislativo, o governo desconsidera as mais de 500 mil pessoas mortas por armas de fogo na última década e a própria Lei do Desarmamento, em vigor no país desde 22 de dezembro de 2003. Numa escala racional, qual é a prioridade desse tema na vida nacional?
Mas tem outras, que vão de encontro à pauta da reforma tributária. Como, por exemplo, o incentivo bilionário concedido à indústria de refrigerantes. Segundo reportagem publicada no site The Intercept, somente esse segmento se beneficiará de um decreto que custará ao país R$ 1,8 bilhão, sendo que, se considerarmos as isenções e os créditos de tributos estaduais e federais, o montante do presente dado às fabricantes de refrigerantes chega a R$ 7 bilhões/ano.
Enquanto isso, o presidente afirma que ‘o país está quebrado. Não consigo fazer nada’, há sim, muito o que fazer, ações que demandam organização e decisão do Executivo no sentido de gerar um ambiente de negócios mais justo, seguro, transparente e capaz de atrair investimentos produtivos para o Brasil.
Sem sombra de dúvidas, a reforma tributária é uma pauta que tem o poder de resgatar a confiança no país e o legislativo é o ambiente mais adequado para discutir essas propostas.
Há sim, muito o que fazer! Desde a tributação de grandes fortunas, tributação de lucros e dividendos, simplificação de regras na tributação sobre o consumo e unificação de impostos. Bom lembrar que, além das propostas de reforma tributária que ainda aguardam votação do relatório na comissão mista, tramitam mais de 20 propostas de parlamentares de diferentes partidos para a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Até agora, sem expectativas de aprovação.
Enquanto a reforma tributária não avançar, o país segue à deriva no cenário interno e internacional, perdendo uma reforma da Previdência por ano, algo em torno de US$ 14,9 bilhões em impostos não pagos por milionários e empresas, segundo levantamento da Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network), divulgado em novembro do ano passado.
Rodrigo Spada, 43 anos, é agente fiscal de Rendas do Estado de São Paulo e presidente da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais).
Juracy Soares, 53 anos, é auditor fiscal do estado do Ceará e diretor de Estudos tributários da Febrafite.