Análise das reformas tributária, previdenciária e trabalhista reuniu especialistas em Bento
HENRIQUE MASSARO
Com dois dias de palestras, painéis e mesas de discussão, o 18˚ Encontro do Fisco Estadual Gaúcho terminou sábado na cidade de Bento Gonçalves, na Serra. Autoridades políticas, acadêmicas e profissionais das áreas fiscal e tributária participaram da programação do evento realizado no ano que marca o 65˚ aniversário da Associação dos Fiscais de Tributos Estaduais do Estado do RS (Afisvec), que promoveu o encontro com o Sindicato dos Servidores Públicos da Administração Tributária (Sindifisco-RS). Os especialistas abordaram as reformas tributária, previdenciária e trabalhista, além de aprofundarem temas como a crise financeira no país e no Estado.
O conselheiro do Tribunal de Contas (TCE-RS), Pedro Henrique Poli de Figueiredo, tratou especificamente sobre as carreiras de servidores estaduais e a inexistência de uma previdência especial para estes trabalhadores. O auditor-fiscal da Receita Estadual, Marcelo Melo, foi um dos encarregados de apontar os mitos e as verdades que rondam a renegociação da dívida estadual. Para tanto, ele fez uma análise da situação fiscal do Estado comparando os aumentos da Segurança Pública já aprovados e o pagamento mensal da dívida, já renegociada pela lei complementar n˚ 156. Segundo ele, existem medidas a serem buscadas em âmbito federal, como o aumento do ressarcimento da Lei Kandir, por exemplo. Disse que há a expectativa de recuperar até 50% dos R$ 3 bilhões de perdas anuais. Hoje, o ressarcimento beira os R$ 390 milhões. Ele também citou a proposta de convênio 100/97 de adubos e fertilizantes que será encaminhada ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e que pode render R$ 370 milhões por ano.
Há, ainda, a lei n˚ 156 de renegociação de dívidas com o BNDES que poderia postergar em até três anos de carência e mais R$ 140 milhões anuais. Sugeriu alteração do prazo de pagamento sem alta de imposto, ganhando-se no fluxo anual com combustíveis, energia e comércio cerca de R$ 140 milhões. Assim, disse, parcelando o 13˚ salá- rio, seria possível fechar o ano. Para 2018, propôs um programa de produto gaúcho usando o “bairrismo” para que os cidadãos comprem produtos do Estado. Assim, aumenta-se a arrecadação direta, além de elevação indireta de empregos e renda. “Estimo que dá para se ganhar R$ 1 bilhão anuais se o projeto decolar, sem custo para o Estado e para o contribuinte”, disse Melo. Entre essas e outras palestras, o presidente da Afisvec, Abel Henrique Ferreira, comemorou a realização do evento e o sucesso da programação, que resulta em subsídios a serem levados em consideração para as tomadas de decisão daqui para frente. “Atendemos o que queríamos, porque trouxemos autoridades que estão discutindo há mais de 20 anos o sistema tributário nacional, que precisa sofrer algumas mudanças”, declarou, entendendo que, inicialmente, poderiam ser feitas mudanças partilhadas, por meio de leis ordinárias sem a necessidade de alterar a Constituição. “ Marcelo Melo auditor da Receita Estadual
Paim vê pontos perversos
O senador Paulo Paim (PTRS) tem esperança que a reforma da Previdência não seja aprovada no Congresso Nacional. Durante o 18˚ Encontro do Fisco Estadual Gaúcho, no último sábado, ele disse acreditar que o governo está sentindo a pressão popular e que as manifestações, principalmente a última, do dia 28 de abril, foram bons exemplos. Ele confia que a reforma, que é uma emenda constitucional, terá dificuldades de conseguir os 308 votos necessários para aprovação na Câmara dos Deputados, assim como no Senado, que não funciona por maioria simples. Segundo ele, tanto a reforma da Previdência quanto a trabalhista são “perversas e cruéis” e irão atingir negativamente a população. O senador preside a CPI da Previdência, que já iniciou as audiências, e disse que os profissionais do fisco estadual e nacional cumprem papel fundamental neste processo. Os grandes problemas, segundo Paim, estão na arrecadação, na cobrança e na falta de estrutura para os trabalhadores da área executarem estas questões. A reforma da Previdência, enfatiza, tem três pontos mais perversos: a idade, o tempo de contribuição e o fim das aposentadorias especiais. Citou como exemplo um trabalhador da área de mineração que, trabalhando no subsolo, tem baixa expectativa de vida. Normalmente, este operário se aposentaria com 15 anos de serviço, mas, com as mudanças, o tempo de trabalho pode superar até mesmo sua expectativa de vida. “As condições dessa reforma no meu entendimento são desumanas”, disse Paim. “O senador Paim tem sido um lutador em prol dos trabalhadores brasileiros, seja da iniciativa privada ou do serviço público”, destacou o presidente do Sindifisco, Celso Malhani.
Mudança tecnológica gera desafios
O sistema tributário atual não vai suportar as galopantes mudanças tecnológicas. A afirmação é do professor de Direito da Ufrgs e da PUCRS Juarez Freitas. Ele foi um dos palestrantes do 18˚ Encontro do Fisco Estadual Gaúcho e participou do painel de responsabilidade fiscal sobre a administração tributária. “Existe um sério problema de erosão da base fiscal que se divide em três aspectos. O primeiro é a transferência de lucros ao exterior, os chamados paraísos fiscais. Em seguida, há uma questão mais profunda: a 4ª Revolução Industrial ou Indústria 4.0. O tema, que recentemente foi foco do Fórum Econômico Mundial, traz consigo novas tecnologias como os blockchains e os smart contracts, contratos que se executam automaticamente.
Há, ainda, a “internet das coisas”, que promete que, em cinco anos, 56 milhões de objetos estarão conectados. Freitas calcula que em 20 anos mais de 40% dos empregos desapareçam devido à 4ª Revolução Industrial. O desafio, explicou, é ter uma administração tributária capaz de acompanhar o ritmo velocíssimo de novas transações que escapam do controle da fiscaliza- ção tradicional. “Isso se faz com inteligência ampliada e compreensão de um novo modo de realiza- ção de negócio. O terceiro ponto seria a questão da opacidade. Na sua opinião, é importante que os incentivos fiscais sejam dados com transparência. É necessário enfrentar a guerra fiscal, que definiu como um verdadeiro fratricídio. A fala de Freitas sucedeu a do subsecretário da Receita Estadual do RS, Mário Luis Wunderlich dos Santos, que apresentou os projetos e iniciativas regionais para modernização dos desafios da administração tributária. Para ele, o trabalho começa na identificação dos problemas que, no caso especí- fico da Receita, dizem respeito à arrecadação. Explicou que o Estado está fazendo um investimento forte em um sistema que, apesar de um pouco de atraso, deve ser logo implementado. “É um big data (grande reunião de dados), que nos permite cruzamento de dados para combate à sonegação”. Mesa-redonda divide opiniões Presidente da Afisvec, Abel Henrique Ferreira, cita sucesso da programação Opção por produtos regionais pode somar R$ 1 bilhão por ano.
Mesa redonda divide opiniões
Entre as atividades da extensa e dinâmica programação que preencheu o sábado de Encontro do Fisco Estadual Gaúcho, uma mesa-redonda abordou a reforma tributária sob diferentes vieses. Ampliando e divergindo em alguns pontos da apresentação iniciada no dia anterior pelo deputado federal Luiz Carlos Jorge Hauly (PSDB), o secretário-adjunto da Fazenda, Luiz Antonio Bins, propôs uma visão mais direcionada do sistema. “Acho que a reforma necessária tem que partir de princípios, temos que construir um sistema neutro, que não interfira na alocação do investimento produtivo, na forma de operação dos diversos setores econômicos e que seja justo”, declarou Bins. Para ele, o sistema atual é muito regressivo e há a necessidade de um modelo mais progressivo, que faça a maior tributação sobre quem tenha maior renda.
Presidente da mesa de debates, o doutor em Economia e professor da Universidade Federal do RS (Ufrgs) Eugênio Lagemann disse que a reforma pode ser discutida tanto de forma ‘macro’, como feito pelo deputado Hauly, quanto fazendo reformas mais ‘micro’, conforme apresentou o secretário Bins e que, segundo ele, podem manter o sistema de hoje atendendo aos princípios que se pretende buscar a ní- vel ‘macro’. “Eu acho que tem que se apostar nisso, porque este, muitas vezes, é o caminho mais viável do que aquele caminho ‘macro’, onde se tenta mudar o mundo e não se consegue fazer nada”, explicou o professor, que ainda disse considerar este o caminho mais garantido no curto prazo.
Correio do Povo – Encontro do Fisco -Clique para abrir pdf