Série de entrevistas ZH: De 29 de agosto a 8 de setembro, GZH publica entrevistas com candidatos a governador do RS. O foco é discutir problemas do Estado e aprofundar as propostas de governo. Cada um dos oito postulantes de partidos com ao menos cinco representantes no Congresso terá entrevistas mais longas. Os outros concorrentes dividirão uma reportagem em 8/9. A ordem de publicação é alfabética, conforme o nome que será apresentado na urna.
“Meta é ter 200 mil alunos em escola de tempo integral”, afirma o candidato Vieira da Cunha
Postulante do PDT defende a realização de concurso para o magistério e que 35% do orçamento do RS seja aplicado em educação
Publicado em 06/09/2022 – Por CARLOS ROLLSING
Vieira da Cunha atendeu ao chamado do PDT, seu único partido na vida política, para concorrer ao Palácio Piratini e garantir palanque regional ao presidenciável Ciro Gomes. Com trajetória marcada pelos mandatos de deputado estadual e federal, Vieira enfrenta concorrentes com alianças amplas e maiores estruturas de campanha.
Tendo o apoio apenas do Avante, o pedetista faz da educação mais do que uma bandeira para cativar o eleitor, mas uma obsessão pessoal. A escola de turno integral é o carro-chefe da campanha ao Palácio Piratini. Confira abaixo os principais momentos da entrevista, concedida no apartamento do candidato, em Porto Alegre, entre paredes enfeitadas por fotos e recordações da carreira.
O RS obteve a homologação do regime de recuperação fiscal (RRF) com a União. Isso possibilita o pagamento escalonado da dívida direta do Estado com a União, de R$ 75 bilhões, entre 2022 e 2030. De outra parte, o Estado terá de observar teto de gastos, o que gerou críticas de engessamento. Manterá o RRF ou pedirá revisão?
Mais do que engessamento, o que se impôs ao RS foi um garrote inadmissível. O montante da dívida é questionável. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) há 10 anos entrou com uma ação, na qual tem estudos técnicos bem fundamentados, demonstrando que o RS não deve esse valor que a União cobra, de cerca de R$ 75 bilhões. Mas se submeteram ao valor que a União estabeleceu como devido. E retiraram uma ação (no STF) em que havia liminar que fez com que o atual governo não pagasse um centavo da dívida durante toda a sua gestão. Agora, por esse acordo, ele retira a ação e cai a liminar. O RS, que estava protegido por essa liminar, ficou desprotegido. Esses pagamentos progressivos vão comprometer os dois próximos governos. Não apenas vou contestar, mas, se eleito, vou às últimas consequências para desconstituir esse acordo. É um atentado aos interesses do RS. Em primeiro lugar, tentarei isso administrativamente para repactuar (com o governo federal). Se, na Presidência, continuar alguém com a insensibilidade do atual presidente Jair Bolsonaro, vamos à Justiça. É um dever contestar o acordo nos termos realizados. E isso não é bravata.
O atual governo tenta fazer a privatização integral da Corsan. Há necessidade de altos investimentos para atender o novo marco regulatório de saneamento, mas a privatização pode elevar o valor da água e do serviço de esgoto para o consumidor. Qual o caminho?
Imediatamente vamos interromper essa privatização. Água não pode ser uma mercadoria com o raciocínio de obter lucro com a sua venda. Água é um bem essencial à população. Ela está vinculada diretamente à saúde pública, como também está o tratamento de esgoto. Mas não tenho compromisso com ineficiência. Tomaremos as medidas administrativas necessárias para que a Corsan atenda com qualidade. O argumento de defesa da privatização não se sustenta.
A Corsan pode captar os recursos e fazer parcerias público-privadas necessárias para atender o marco legal do saneamento. É possível a Corsan investir o volume de recursos exigidos. Algumas ações já vinham sendo tomadas pela empresa. Uma delas era a contratação de mais de R$ 2 bilhões com a emissão de debêntures junto ao BNDES, à Caixa Econômica Federal e ao BID. Lanço o meu protesto sobre a maneira atabalhoada com que o atual governo vem conduzindo esse assunto. Eles querem vender antes do fim do ano a qualquer custo. E foi assim o processo da CEEE, que teve seu preço diminuído até que pudesse ser vendida.
O que pensa sobre a privatização do Banrisul?
O Banrisul é um braço financeiro do Estado estratégico e deve ser mantido público, sem prejuízo da sua competitividade no mercado. Ele tem de ser administrado de maneira eficiente. Tem de estar alinhado aos modernos sistemas de gestão do sistema financeiro. E investir em tecnologia. O Banrisul tem todas as condições de operar competitivamente no mercado. É muito importante para o RS ter um braço financeiro que aja de forma estratégica no processo de desenvolvimento econômico, no financiamento da agricultura, do crédito habitacional, dos estudantes. São áreas em que o Banrisul atua com forte componente social. E o banco está presente praticamente em todos os municípios gaúchos, independentemente do retorno do lucro de determinada agência. Mas ele está lá prestando um serviço essencial à população. Se privatizarmos o Banrisul, com certeza muitas comunidades irão ficar desassistidas.
Em maio, dado do Inep apontou evasão de 10,7% no Ensino Médio no RS, quarto índice mais elevado do Brasil. O senhor defende a escola em tempo integral. Como alavancar recursos para essa política, considerando que o orçamento da educação é dos maiores e, ainda assim, os problemas não cessam?
Cara é a ignorância. Em educação não se gasta, se investe. Fui secretário da Educação em 2015 e 2016. O maior investimento entre 2010 e 2022 foi no ano de 2015, quando eu fui secretário. Investimos 33,7% da receita de impostos em educação naquele ano no RS. De lá para cá, só diminuiu. Hoje, investimos apenas 25% do orçamento. A Constituição do Estado diz que 35% do orçamento do RS tem de ser aplicado em educação. Digo com segurança: o recurso existe. Temos de cumprir a Constituição e colocar na educação a fatia que lhe compete. E aí teremos recursos necessários para tomar as providências que são urgentes, a começar pela recuperação das estruturas das escolas. Meu programa de governo prevê a instituição imediata de uma força-tarefa, desvinculada da burocracia da Secretaria de Obras, para que a gente possa tratar isso com a emergência que tem. Temos de fazer concurso público para o magistério. Não é possível. Todos os anos se aposentam milhares de professores e o Estado não faz concurso. Todo ano, o governador vai à Assembleia e pede autorização para fazer milhares de contratos emergenciais. O professor precisa de uma carreira que lhe dê perspectiva de ascensão funcional, que seja atrativa para o jovem que é vocacionado à missão de ser professor. Hoje, temos dificuldade para recrutar na sociedade os profissionais de educação.
Não estou aqui para fazer demagogia e promessa inexequível. O que estou dizendo é que vamos paulatinamente aumentar os investimentos em educação, de modo a passar ao meu sucessor cumprindo a Constituição do Estado
A folha de pagamento da educação é a mais pesada do Estado. Teria viabilidade isso tudo que o senhor propõe?
Podemos e devemos fazer muita coisa. Claro que dentro dessas limitações financeiras e orçamentárias. Não estou aqui para fazer demagogia e promessa inexequível. O que estou dizendo é que vamos paulatinamente aumentar os investimentos em educação, de modo a passar ao meu sucessor cumprindo a Constituição do Estado. Passar de 25% para 35% de investimento na educação é viável e significa um valor considerável de recursos a mais para atender às urgências. Quando assumi a Secretaria da Educação, em 2015, havia 9,9 mil alunos em tempo integral. Quando eu saí, em junho de 2016, eram 20 mil. Mesmo com todos os problemas que o governo Sartori (José Ivo, do MDB) viveu, conseguimos fazer com que dobrasse o número de alunos em tempo integral de um ano para o outro. E uma das razões pelas quais deixei a secretaria foi que eu pretendia dar um salto muito maior quando o governador me disse que não teria condições. A minha meta, que está no meu plano de governo, é de que tenhamos 200 mil alunos em tempo integral. Hoje, são menos de 20 mil. E eu vou fazer. Isso é obstinação. Essa é a escola revolucionária que vai mudar o perfil do RS.
O atual governo vetou, sob argumento de inconstitucionalidade, um projeto de lei aprovado na Assembleia para a permissão do ensino domiciliar, o chamado homeschooling. O que pensa sobre a pauta?
Sou contra. Considero que criar as crianças numa bolha é extremamente prejudicial à formação. O convívio com outras crianças, a sociabilidade é fundamental no processo educacional. Os pais não têm o direito de privar os seus filhos do ambiente escolar. É uma questão que foge à decisão privada. Algumas questões são de interesse geral da sociedade. E uma delas é zelar pelos direitos das crianças e adolescentes. É a mesma coisa que justificar que, pelo fato de ser filho, eu posso castigar com crueldade. Não posso. Há questões que transcendem o direito privado. A criança tem o direito de participar de um ambiente em contato com as diferenças.
Temos de fazer um trabalho de combate à cultura machista que está enraizada, infelizmente, em muitos setores da nossa sociedade. Nós, homens, achando que as mulheres são nossas propriedades. Isso tem de mudar
Em São Paulo, o uso da câmera de vídeo no uniforme derrubou drasticamente as mortes cometidas por policiais militares. No RS, a Brigada Militar fez testes e encaminha licitação para adquirir os primeiros equipamentos. Qual sua posição sobre essa política?
Sou francamente favorável. Todos os que estiverem no policiamento ostensivo, no meu governo, terão uma câmera. Não só é um instrumento eficaz no sentido de combater a violência policial, como é instrumento de proteção do próprio policial para eventuais denúncias de abuso. Quanto mais transparente for a ação, e a filmagem garante a transparência, mais protegido estará o próprio policial para comprovar que ele efetivamente seguiu as normas que devem conduzir as suas ações. Vamos dar continuidade a esse programa, que será ampliado no meu governo.
Crimes como homicídios, latrocínios e roubos tiveram queda nos últimos anos, mas os índices de feminicídio seguem elevados e crescentes. O que fazer?
Os números são alarmantes. Chegamos a 68 mulheres covardemente assassinadas nos primeiros sete meses do ano. A média é de quase 10 mulheres assassinadas por mês. Só no mês de julho foram 11. Três delas tinham medida protetiva deferida pela Justiça. Ou seja, o sistema não está funcionando. Mesmo com medida protetiva, as mulheres têm sido assassinadas. Temos de tomar providências urgentes. Uma delas é aumentar o número de patrulhas Maria da Penha, que faz o trabalho de prevenção e fiscalização das medidas protetivas. Temos de ampliar o número de delegacias especializadas no atendimento às mulheres. E temos de ir à raiz do problema. E aí eu volto à educação. Temos de fazer um trabalho de combate à cultura machista que está enraizada, infelizmente, em muitos setores da nossa sociedade. Nós, homens, achando que as mulheres são nossas propriedades. Isso tem de mudar. As mulheres têm de ser respeitadas, em condição de igualdade com os homens. Essa questão cultural tem de ser trabalhada desde os primeiros bancos de escola.
Na medida em que o governo Sartori enveredou para esse viés de venda do patrimônio público, de identidade neoliberal, o PDT desembarcou do governo. Isso foi na medida em que ele mandou à Assembleia aquela proposta para retirar o plebiscito para as privatizações. E não autorizou a realização de concurso público para o magistério
A miséria está em alta. O que pretende fazer para gerar renda e reduzir a pobreza?
É inadmissível que o RS conviva com mais de 1 milhão de irmãos e irmãs passando fome. Temos de ter um programa social de atendimento a esses bolsões de pobreza. Mas esse trabalho social tem de ser acompanhado de medidas estruturais, e uma delas é o Ciep (escola de turno integral). A nossa ideia é implantar essas escolas nas regiões de maior vulnerabilidade social. Sabemos que no Ciep a criança vai ter as refeições diárias que precisa para ser bem nutrida. É um instrumento importante de combate à miséria e à fome que vai lá na própria comunidade combater o problema. Os que já estão em idade adulta têm de ser assistidos com programa social, com redes de restaurantes populares ampliadas, políticas de apoio às entidades que já prestam esses serviços, inclusive com as igrejas, que fazem um trabalho meritório nessa área, tanto a católica quanto a evangélica.
O PDT apoiou o governo Sartori no princípio, e o senhor foi secretário da Educação. Atualmente, o PDT se manifesta contra a agenda econômica de Sartori, continuada e aprofundada no governo Leite, com reformas e privatizações. Foi um erro político do PDT?
Não poderíamos adivinhar que ele tomaria esse rumo. Na medida em que o governo Sartori enveredou para esse viés de venda do patrimônio público, de identidade neoliberal, o PDT desembarcou do governo. Isso foi na medida em que ele mandou à Assembleia aquela proposta para retirar o plebiscito para as privatizações. Não conseguiu aprovar, mas mandou à Assembleia. E não autorizou a realização de concurso público para o magistério. Não tivemos outra atitude a tomar a não ser desembarcar do governo. O PDT agiu coerentemente, mas não tínhamos como saber, isso não foi explicitado na campanha. Pelo contrário. Não me arrependo porque não tinha como saber que tomaria esse rumo. E, na medida em que tomou, fomos coerentes e desembarcamos.
Se confirmado o segundo turno presidencial entre Lula e Bolsonaro, o que fará o PDT?
É uma pergunta que nos negamos a responder. Temos confiança que Ciro Gomes, candidato do PDT, estará no segundo turno.
Material retirado do jornal Zero Hora