Série de entrevistas ZH: De 29 de agosto a 8 de setembro, GZH publica entrevistas com candidatos a governador do RS. O foco é discutir problemas do Estado e aprofundar as propostas de governo. Cada um dos oito postulantes de partidos com ao menos cinco representantes no Congresso terá entrevistas mais longas. Os outros concorrentes dividirão uma reportagem em 8/9. A ordem de publicação é alfabética, conforme o nome que será apresentado na urna.
“Quero que a Uergs se torne a universidade tecnológica do RS”, afirma o candidato Vicente Bogo
Dentre outras propostas, representante do PSB também defende a rediscussão do regime de recuperação fiscal
Publicada em 05/09/2022 – Por PAULO EGÍDIO
Afastado das disputas eleitorais desde 2006, quando não conseguiu se eleger deputado estadual, Vicente Bogo entrou quase por acaso na corrida ao governo do Estado. Vice-governador de Antônio Britto (1995-1998), quando era filiado ao PSDB, e deputado federal constituinte, Bogo ingressou no PSB neste ano com a perspectiva de concorrer ao Senado.
Tudo mudou quando Beto Albuquerque desistiu da candidatura ao Piratini. Convidado pelo partido, Bogo topou substituir Beto e disputar a eleição para governador em chapa pura, com a ex-vereadora de Montenegro Josi Paz como vice. Dentre outras propostas, defende a rediscussão do regime de recuperação fiscal e o direcionamento da Uergs para a formação de jovens.
O senhor assumiu a candidatura após a desistência de Beto Albuquerque. Além disso, é público que o RS não é uma prioridade para o PSB nacional e o senhor não vai receber volume expressivo de recursos. O que lhe faz acreditar que terá candidatura competitiva?
Dependemos dos recursos do fundo partidário, além do aproveitamento da estrutura com a qual o partido já vinha trabalhando. E deve vir algum recurso também para candidaturas de mulheres, porque 30% do fundo deve ser destinado para mulheres. Também vou pedir para as pessoas que queiram me ajudar com um troquinho, porque agora não pode mais receber doações de empresas. Espero arrecadar um pouco, que nos ajude a suprir nossas necessidades. Estou aproveitando tudo o que posso, inclusive o programa de governo do Beto, com alguns ajustes. A gente vai fazer campanha bem modesta financeiramente, mas não será descuidada. Será uma campanha séria.
E como o senhor pretende, de fato, chegar nas pessoas, já que outros terão uma campanha muito mais estruturada?
Se fosse pré-candidato há quatro meses, teria viajado para grande parte dos municípios, feito entrevistas, ido ao encontro de amigos. Na medida em que muitos começarem a perceber que ainda colhem benefícios aos quais tive participação para incorporar na Constituição quando era deputado, como a aposentadoria rural, acredito que vão considerar me apoiar.
O senhor vai abrir palanque para a candidatura presidencial de Lula e Alckmin? Vai falar sobre isso na campanha?
Nosso partido é democrático. A democracia é uma forma de organização da sociedade que tem critérios. E o critério é a maioria. Depois da decisão, todos devem aceitar e cumprir aquilo, respeitar o resultado. Quando entrei no partido, o PSB e o PT já tinham decidido se coligar nacionalmente. Na medida que aceito a candidatura aqui, tenho de respeitar a decisão. Logo, meu palanque está aberto para a candidatura majoritária nacional, de Lula e Alckmin. A lei não me obriga a colocar a candidatura nacional na propaganda estadual, mas não vou esconder.
O Regime de Recuperação Fiscal impõe restrições a despesas, reajustes salariais e contratação de servidores. Qual sua opinião sobre o regime? Se eleito, pretende pedir a exclusão do RS?
Espero dialogar com o novo presidente. Esse tema da dívida, para mim, não está bem resolvido, mas não posso dizer que a solução é A ou B. É uma negociação política, não tem outro jeito. Não vou entrar negando, deixando de pagar. Não é prudente, não é sensato e não seria honesto. Mas espero reabrir essa conversa, porque o regime de recuperação fiscal é uma estratégia para pagar a dívida, e quero uma perspectiva de trazer soluções para a população.
Como?
O governo federal já deu caminho para essa discussão. O presidente resolveu, por conta da eleição e dessa anomalia temporária do preço dos combustíveis, cortar unilateralmente o ICMS do Estado. Mas o tributo era do Estado, meu Deus do céu! Como é que o governo federal vai invadir essa seara? Então, o governo federal já alterou o equilíbrio do contrato que fez conosco. E ali está aberta a porta para fazermos essa rediscussão.
O senhor era vice-governador quando Antônio Britto assinou o contrato de consolidação da dívida com a União. Avalia que foi um bom acordo?
Na época, a dívida do Estado era praticamente títulos públicos. Por isso foi possível por muitos anos fazer déficit. Só que os títulos custavam no mínimo 30% a mais que os títulos federais, dado que não tinham muito mais aceitação no mercado. Então, a federalização da dívida foi um baita negócio, economizamos só ali 30%. Penso em retomar essa discussão sem ruptura, e discutir o pacto federativo junto. E penso que podemos começar a pensar em fazer poupança pública.
Isso num Estado que até pouco tempo atrás não conseguia pagar em dia os servidores?
No Estado e nos municípios. Combinar de economizar um tanto por ano, que pode ser garantidor da dívida, que ajuda a diminuir. E dependendo do tamanho, pode ser garantidor de financiamentos. Uma coisa é emprestar para um endividado, outra é emprestar para alguém que tem uma poupança. Quero mudar essa equação da imagem e da confiança no governo.
O governo estadual homologou o resultado do edital de concessão de trechos de estradas na Serra e no Vale do Caí, o chamado bloco 3, que gerou reação negativa em razão do valor dos pedágios. Também está lançando edital para o bloco 2 — que contempla estradas do Norte e do Vale do Taquari. Se eleito, vai manter essas concessões?
Sempre que o governo faz um contrato tem de cumprir, a não ser que encontre uma distorção. Quando o governo rompe um contrato, geralmente tem cláusula de indenização. Sou favorável a concessões e a parcerias público-privadas. Agora, uma dificuldade que os governos têm tido é a de não dialogar o suficiente com as comunidades. E esse diálogo pressupõe flexibilidade. Na RS-287, que vai a Santa Maria, colocaram um pedágio quase em cima da escolinha da comunidade da Palma. E a comunidade queria que trocasse para outro lugar para não atrapalhar. Não tem flexibilidade. Fizeram audiência pública num hotel com 20 pessoas. Quero poder discutir realmente com a população.
No governo Brito, a possibilidade de privatização do Banrisul foi muito discutida. O senhor é favorável à privatização? Qual seria o papel do banco em seu governo?
O PSB assinou um documento na Assembleia se dizendo contra as privatizações do Banrisul e da Corsan. Enquanto membro do partido, não tenho a intenção de fazer a privatização dessas estruturas. Nosso desafio é como (colocar) o Banrisul para a frente. Imagino que o Banrisul seja uma estrutura que, além de administrar a folha do Estado, além de dar uma rentabilidade, pode ser usada para várias outras coisas, como ser mais banco de fomento em áreas prioritárias, das micro e pequenas empresas, de economia social e solidária.
Crimes como homicídios, latrocínios e roubos tiveram quedas nos últimos anos, mas os índices de feminicídio seguem apresentando números elevados e crescentes. O que fazer nesse cenário?
Tem de ter alguma campanha de esclarecimento, para encorajar as mulheres a denunciarem quando sofrem violência, além de casas de acolhimento regionalizadas para distanciar do potencial risco. Há que se trabalhar com o homem também, para que ele possa entender que os dois são filhos da mesma natureza e que as diferenças têm de ser resolvidas de outro modo, e não pela violência. Mas a solução é de médio e longo prazos, e passa pela escola e pela família. Porque, se a escola ensinar o menino a respeitar a menina, ele vai se formando como um adulto que aprende a respeitar a mulher e nós criaríamos uma cidadania mais madura. A escola é o ponto de partida.
O agente que está fazendo a coisa certa não vai se assustar porque tem uma câmera mostrando, ela é prova a favor dele. A câmera protege um lado e protege o outro. Então, sou favorável. Mas não penso que tem que ser generalizado. Depende do tipo da atividade que o policial vai fazer.
Qual a sua opinião sobre a instalação de câmeras corporais nos policiais militares?
Acredito que essa experiência é positiva e evita muitas arbitrariedades. O agente que está fazendo a coisa certa não vai se assustar porque tem uma câmera mostrando, ela é prova a favor dele. A câmera protege um lado e protege o outro. Então, sou favorável. Mas não penso que tem que ser generalizado. Depende do tipo da atividade que o policial vai fazer. Uma coisa é quem está na ação ostensiva, outra quem está em ação preventiva, de baixo risco.
O IPE Saúde atende cerca de 1 milhão de pessoas e, ao mesmo tempo, alivia a pressão sobre o SUS. O plano está enfrentando uma crise e está sendo reestruturado. Qual a sua proposta para o IPE caso seja eleito?
Do modo como as coisas estão, é difícil ter uma solução para o IPE que não seja o Estado aportando recursos regularmente. Essa é a solução no momento mais barata para o Estado. O IPE é um instituto que não tem autonomia financeira no sentido de organizar-se em função de custos. A receita do IPE está vinculada ao salário do servidor. Como houve o congelamento de salário do servidor, não se conseguiu fazer o reajuste do IPE na mesma proporção. O Estado não tem como deixar de suprir o seu ente. Eventualmente, o Estado deixa a dívida ficar grande e atrasa com seu prestador. Não pretendo atrasar ainda mais.
A miséria está em alta no Brasil e o RS é afetado por esse cenário. O que pretende fazer para gerar renda e combater a fome?
Quando há um problema emergencial, deve ser enfrentado emergencialmente. Fome temos de matar todo dia, várias vezes ao dia. Quando a escola está aberta, as crianças se salvam ali com a merenda escolar. Mas e o sábado, o domingo, o feriado? Algumas das nossas escolas podem se adaptar e usar a estrutura da cozinha para receber as crianças, para que também possam se alimentar no final de semana. Se a comunidade cuidar e a gente puder descentralizar, é mais fácil. Temos de fazer algo que seja orgânico: identificar a necessidade e atender de imediato. Não é uma coisa simples de resolver, mas quero fazer uma ação muito emergencial neste campo.
Quem trabalha de dia e precisa fazer um exame poderia ir à noite, no horário livre. Para os hospitais, a melhor coisa é não precisar desligar os equipamentos à noite. Juntando com a telemedicina, quero integrar todos os prontuários (médicos).
Como o senhor pretende atuar para reduzir a fila por consultas médicas e exames no Rio Grande do Sul?
Já estudei o assunto, verifiquei o que foi feito na prefeitura de São Paulo e é perfeitamente factível de resolver isso em seis meses de governo. Lá, João Doria (PSDB) fez parceria com as clínicas, com hospitais públicos e privados, com os laboratórios e criou o Corujão da Saúde. Quem trabalha de dia e precisa fazer um exame poderia ir à noite, no horário livre. Para os hospitais, a melhor coisa é não precisar desligar os equipamentos à noite. Juntando com a telemedicina, quero integrar todos os prontuários, para que a ficha completa do paciente possa ser vista por quem for lhe atender. Então, com as consultas e exames eletivos acumulados é possível resolver em seis meses.
O senhor tem falado que quer implementar plano para oferecer formação técnica aos jovens. Como seria?
Acredito que podemos organizar uma estratégia para não haver sobreposição e priorizar a formação de acordo com a vocação de cada região. Na área da saúde, por exemplo, quero preparar profissionais para atendimento de pessoas com deficiência e autistas. Vamos levar os cursos aonde está a demanda maior a ser atendida, essa é a prioridade. Vou fazer uma consulta no meio empresarial para identificar quais são as demandas em que não se consegue hoje mão de obra especializada. E as instituições de ensino superior comunitárias podem entrar nisso.
E a Uergs?
A Uergs é o grande instrumento do Estado para isso. Quero fazer uma conversão progressiva e fazer com que a Uergs se torne a universidade tecnológica do Rio Grande do Sul. Preocupada com o trabalho especializado, as novas profissões. Se tiver de trazer especialistas do Exterior e fazer parceria com outras instituições que têm alguns especialistas, vamos fazer. Quando houver alguma demanda na região, a Uergs irá até lá para organizar a capacitação em alta performance. Não precisa construir nada, pode ser em uma escola que não é usada à noite, em uma empresa. Quero que a Uergs faça um upgrade de papel a cumprir, que será a formação técnica e tecnológica.
Mas o senhor está disposto a aumentar o orçamento da universidade?
Estou. Ainda preciso estudar melhor, porque implica despesa, a questão do mínimo constitucional (a Constituição Estadual demanda a aplicação de 0,5% da receita de impostos no Ensino Superior público ou na compra de bolsas em instituições comunitárias). Quero começar a cumprir aquele percentual. É uma conversão que tenho de fazer com algum tempo, durante três, quatro anos, vai demorar um pouco para consolidar. E como a Uergs não tem essa estruturação para isso, em grande parte ela vai ter de fazer com parcerias. Ao final, quero colher o crescimento das receitas do Estado. O futuro está na especialização na alta tecnologia. Temos que nos preparar para isso e estou disposto a dar o primeiro passo.
Material retirado do jornal Zero Hora