A União foi “sócia do ato de imprudência” que levou ao endividamento de Estados que já estavam em péssimas condições financeiras e tinham maior risco de calote, aponta auditoria concluída pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a corte de contas pode chamar autoridades envolvidas a dar explicações, entre elas o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, que tomaram a decisão de conceder o crédito e agora podem ser responsabilizados pelos atos. Essa política agravou a situação já difícil das finanças dos governos regionais.
O Estadão/Broadcast antecipou em novembro do ano passado o início das investigações do TCU sobre a política de garantias facilitadas adotada pelo governo. A apuração começou depois que o Estado do Rio de Janeiro, um dos maiores beneficiados pelos financiamentos em anos anteriores, deu o calote e obrigou a União a ter de pagar os débitos em seu nome. O levantamento incluiu a análise minuciosa dos contratos de garantias – para dar conta de tantos documentos em papel, o Tesouro chegou a oferecer dentro do órgão uma sala aos auditores do TCU.
Entre 2012 e 2015, a União garantiu R$ 65,2 bilhões em operações de crédito para os governos estaduais em piores condições, um tipo de operação que era para ser exceção e virou regra. Enquanto isso, Estados com menor risco de inadimplência tiveram aval para obter R$ 45,8 bilhões no período. Os dados são do próprio Tesouro, que revisou recentemente os valores de 2013 até agora.
Maquiagem
A manipulação das garantias é uma das vertentes da maquiagem nas contas dos Estados, que foram irrigados com recursos do BNDES, Caixa e Banco do Brasil. As consequências foram o agravamento da crise financeira dos Estados e a necessidade de o Tesouro honrar as dívidas. Só neste ano, a União já pagou R$ 2,27 bilhões por conta de calotes de governos estaduais (99% dos débitos são do Rio de Janeiro).
Segundo cálculos dos técnicos do TCU, pelo menos R$ 100 milhões desse valor correspondem a encargos como multas e juros por conta do atraso no pagamento, recursos públicos “jogados fora” por conta da irresponsabilidade na concessão dos créditos. O valor não inclui a correção pela Selic (hoje em 8,25% ao ano), custo adicional que o Estado terá de bancar quando for ressarcir a União pela garantia honrada.
Assim como nas pedaladas fiscais, que permitiram o atraso no pagamento de subsídios do Tesouro aos bancos públicos, as garantias para os Estados com nota C e D foram possíveis graças a uma portaria desenhada para burlar as regras de boas práticas prudenciais e fiscais. Editada em 10 de setembro de 2012, a portaria (ainda em vigor) dá poderes ao ministro da Fazenda, em “caráter excepcional”, de autorizar Estados com nota baixa a contratar empréstimos com aval da União.
O problema é que dali em diante houve uma explosão de garantias concedidas por Mantega com o chamado “waiver” (dispensa do cumprimento de exigências). De acordo com a apuração do TCU, entre 2013 e 2014 os técnicos do Tesouro Nacional passaram a ser mais enfáticos sobre a baixa capacidade de pagamento dos Estados e formalizaram em pareceres os riscos da política em curso.
Os técnicos começaram a ficar preocupados com as consequências e cobraram de Arno Augustin uma posição. Segundo relatos da época, o então secretário do Tesouro disse que “matava no peito” e que assinaria os documentos necessários.
Na auditoria, o TCU também analisa a conduta do corpo técnico do Tesouro Nacional na concessão das garantias, mas a avaliação preliminar é de que sua atribuição era dar a nota ao Estado. A concessão da garantia era uma decisão das autoridades – secretário do Tesouro e ministro da Fazenda. Mesmo assim, o risco de serem punidos tem norteado uma postura mais cautelosa dos técnicos em operações recentes, como a assinatura do plano de recuperação fiscal do Rio de Janeiro, em que o parecer do órgão aponta fragilidades na estratégia do governo fluminense que podem comprometer o sucesso do socorro.
Após a conclusão do relatório preliminar do TCU, o Tesouro Nacional poderá se manifestar sobre o processo. Mas o órgão do Ministério da Fazenda já indicou à corte de contas que pretende editar uma nova portaria sobre a concessão de garantias, inclusive com nova metodologia já anunciada de concessão das notas aos Estados. A nova portaria deve ter um dispositivo semelhante de “excepcionalização” para a concessão de garantias.
É por isso que o TCU avalia fazer uma recomendação para que os critérios de atendimento desse pedido sejam fundamentados por documentos. Os técnicos identificaram que o pedido de “waiver” (dispensa do cumprimento de exigências) era atendido sem verificação formal das três condicionantes: existência de contragarantias para ressarcir a União em caso de inadimplência, projeto considerado relevante e recursos suficientes do Estado para cumprir a execução do projeto.
A Secretaria do Tesouro Nacional disse que acompanhou e colaborou com o processo de auditoria conduzido pelo TCU, além de ter suspendido a concessão de garantias para entes da Federação com notas C e D. O Tesouro disse ainda acreditamos que o relatório do TCU deverá trazer propostas de aperfeiçoamento do processo. A reportagem não conseguiu localizar Arno Augustin e Guido Mantega. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Zero Hora
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