Caso o socorro federal não chegue ao Rio Grande do Sul até o fim do ano, há temor no Palácio Piratini de perda de poder de decisão sobre quais contas serão priorizadas. Com o agravamento da crise financeira, o receio é de que o destino dos recursos – insuficientes para todos os compromissos – passe a obedecer exclusivamente a liminares judiciais e a obrigações constitucionais.
Hoje, o Estado já é obrigado a atender uma série de decisões do tipo, envolvendo principalmente salários de servidores. Além disso, todos os meses, a Justiça determina bloqueios para o pagamento de medicamentos e de requisições de pequeno valor (RPVs), que são dívidas do governo.
A partir de setembro, o cenário tende a piorar devido à previsão da Secretaria da Fazenda de encontro de folhas – que voltou a ser projetada ontem pelo titular da pasta, Giovani Feltes, em entrevista à Rádio Gaúcha. Traduzindo: quando o Estado conseguir quitar os salários de um determinado mês (possivelmente de agosto), já terá de pagar os contracheques do período seguinte, em uma sobreposição de compromissos – agravada por inúmeros outros desembolsos entre os quais os repasses aos demais poderes, chamados de duodécimos e definidos na Constituição.
– Se a situação chegar a esse ponto, e o risco é alto, vai haver um total desarranjo na gestão. Vamos ter de pagar a folha, o duodécimo e cumprir todas as decisões judiciais, mas as contas vão acabar se acumulando, porque não vamos ter dinheiro para tudo. Enquanto isso não for resolvido, não vai ser possível pagar nenhuma outra despesa do Estado – projeta uma fonte próxima a Sartori.
Serviços como merenda e transporte escolar podem deixar de ser pagos
Na prática, essa situação poderá afetar serviços essenciais. Por exemplo: hoje, o Estado repassa, na primeira quinzena de cada mês, verbas para merenda e transporte escolar, combustível dos veículos da Brigada e conservação de estradas. Com as contas engessadas, isso poderá ficar inviabilizado.
Nos bastidores, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) estuda medidas para atenuar o quadro. Uma delas seria recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para rever os valores do duodécimo – que chegaram a R$ 350 milhões em julho. O governo do Rio de Janeiro fez o mesmo e obteve autorização da Corte para reduzir os valores. O problema é que essa alternativa tem potencial para amargar as relações entre os poderes Judiciário e Executivo.
Por enquanto, Sartori segue apostando na adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal proposto pela União. Nesta terça-feira (1), ele foi pessoalmente a Brasília tratar do assunto, que pouco avançou nos últimos meses.
A intenção do governo é obter três anos de suspensão no pagamento da dívida e receber autorização para fazer um empréstimo de R$ 4 bilhões, que seria usado para botar as finanças em dia.
O desafio é cumprir as contrapartidas exigidas pela Secretaria do Tesouro Nacional e convencer a Assembleia a aprovar a operação.
Entenda a situação
O que é o regime de recuperação fiscal?
É uma alternativa proposta pelo governo federal para ajudar Estados em situação de calamidade financeira.
A intenção é oferecer carência de três anos no pagamento da dívida com a União e autorizar os Estados a buscarem novos empréstimos.
O que o governo do RS quer?
Além da suspensão da dívida por três anos, que dará fôlego de R$ 9,5 bilhões ao caixa, o governo do Rio Grande do Sul busca aval para obter financiamento de R$ 4 bilhões.
A intenção é usar o dinheiro para reequilibrar as contas e voltar a pagar os servidores em dia.
Por que o acordo não avança?
Principalmente por conta das contrapartidas exigidas pelo governo federal, entre as quais a oferta de ativos como garantia ao negócio.
Até agora, o governo gaúcho não conseguiu oferecer ativos considerados suficientes pela Secretaria do Tesouro Nacional, vinculada ao Ministério da Fazenda. Outro entrave é a necessidade de aprovar a adesão na Assembleia.
Por que o assunto é polêmico?
A adesão não é garantia de que os problemas do Estado serão resolvidos. O governo do RS reconhece isso, mas diz que, diante da crise financeira, não há alternativa.
Ao final do período de suspensão da dívida, os valores não pagos elevarão o passivo em R$ 10,5 bilhões, dos quais R$ 1 bilhão em juro e correção.
A obtenção de novo financiamento aumentará a dívida do Rio Grande do Sul com instituições financeiras.
O que pode acontecer se o Estado não aderir?
Segundo projeções da Secretaria da Fazenda, o governo gaúcho poderá fechar 2017 com rombo de R$ 3,4 bilhões nas contas.
O valor equivale a quase três folhas de pagamento dos servidores do Executivo.
Sem esse dinheiro, o parcelamento dos salários do funcionalismo pode se postergar e se sobrepor aos vencimentos do mês seguinte, provocando uma bola de neve.
Isso pode ocorrer a partir de setembro e tende a comprometer todas as demais contas.
ZH