Valor seria suficiente para pagar salários de três folhas do Executivo. Devedor contumaz pode ser responsabilizado
Matéria publicada no jornal Correio do Povo desta segunda-feira, 13, com entrevista do diretor da Afisvec, Paulo Guaragna.
As dez principais empresas devedoras de ICMS no Rio Grande do Sul somam R$ 4,9 bilhões em dívidas com o Estado, conforme dados na página da Secretaria Estadual da Fazenda (SefazRS). O valor seria suficiente para pagar três folhas do Executivo. A Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE-D) ocupa o primeiro lugar, com dívida acumulada de mais de R$ 2,6 bilhões. Apesar das ações para cobrar devedores contumazes, as estimativas sobre quanto o Estado deixa de arrecadar são divergentes. Enquanto o Sindicato dos Técnicos Tributários (Afocefe) aponta perdas de R$ 9 bilhões no ano passado, a Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual RS (Afisvec) acredita que esses valores não ultrapassem R$ 3,5 bilhões, equivalentes a 10% da arrecadação de 2019, que foi de R$ 35 bilhões.
A Sefaz contesta a metodologia. “Não tem nenhum estudo no RS para apontar o tamanho da sonegação, é difícil medir”, afirma o subsecretário da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira. Ele esclarece que o Estado concentra dívida ativa em torno de R$ 54 bilhões. Deste total, R$ 5,5 bilhões são referentes a devedores contumazes. Conforme Pereira, o cerco a devedores deve se intensificar após manifestação do Supremo Tribunal Federal. “Há entendimento que inadimplência contumaz pode configurar crime. E isso pode levar à responsabilização pessoal de diretores”, observou. Sobre a situação da CEEE-D, Pereira reconhece que a empresa é a maior devedora contumaz e enfrenta restrições para transferir créditos para a indústria: “Declara corretamente e não recolhe”.
Com base em cálculos da Fazenda nacional, que usa dados da arrecadação de ICMS, o Afocefe mantém um sonegômetro na página da entidade que faz em tempo real a estimativa de quanto o RS perde com a sonegação de ICMS. “Só nos oito primeiros dias do ano o RS perdeu R$ 800 milhões”, ressalta o presidente do Afocefe, Guilherme Campos. Mesmo com a implementação da Nota Fiscal Eletrônica, Campos afirma que para muitos produtos não são emitidas notas fiscais e não há fiscalização ostensiva. “Atribuímos isso a uma política errada nos últimos anos na Secretaria da Fazenda, que terminou privilegiando tecnologia, mas tem que fazer fiscalização presencial”, destaca. Entre as sugestões estão nomeação de servidores e investimento em postos fiscais. “Poderiam instalar scanners nos principais pontos do RS e reforçar a presença da Segurança Pública para fiscalização com as turmas volantes”, sugere.
Hoje há 25 turmas volantes, mas o Estado já contou com 80. Conforme Campos, os maiores devedores são dos setores de móveis, bebidas e cigarros: “Pode ver que mais de 50% dos cigarros consumidos no RS são contrabandeados”. Além de salientar o elevado número de profissionais na informalidade vendendo produtos sem controle e fiscalização, Campos revela que a Receita aumentou as apreensões porque a sonegação aumenta dia após dia. “Correr o risco (de ser pego) termina valendo a pena, a pessoa se arrisca para tentar passar material. Das 10 vezes que tenta passar sem nota fiscal é pega somente uma vez. O crime compensa”, assinala. Campos ainda critica a falta de policiais militares para ações em determinados locais: “Faltam PMs para nos dar suporte para a autuação. Postos fiscais têm dificuldade de fiscalização em determinados lugares”.
Diretor da Afisvec, Paulo Guaragna diz que o estudo em que se baseia o sonegômetro “utiliza dados desatualizados” do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. “Não há nenhum estudo sério que diga que a sonegação é de determinado percentual. Não tem como afirmar que deixou de arrecadar por causa de sonegação”, rebate. Para Guaragna, a sonegação no Estado pode chegar a até 12% da arrecadação, o que resultaria em torno de R$ 3,5 bilhões: “Eu não trabalharia com valores acima de 10% a 12% de sonegação”. Ele defende o uso de inovação tecnológica. “O conceito de fiscal na rua é ultrapassado”, critica. Ressalta que a fiscalização em determinados setores, como o varejo, melhorou nos últimos anos. “Quase toda arrecadação do varejo está na substituição tributária, que cresceu muito de 2009 até hoje. Eram só alguns itens tradicionais, bebidas, combustíveis, cigarros, mais clássicos, e se passou a fazer quase tudo por substituição tributária”, compara. “Temos fiscalização tributária de primeiro mundo num contexto que, às vezes, é de terceiro mundo, com sonegação e etc”, conclui.
Fonte: Correio do Povo