RRF: não era a solução definitiva?

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As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade dos autores, não refletindo o posicionamento da Entidade.

Roberto Balau Calazans

Um ano depois da renegociação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em junho de 2022, o governo do RS projeta que não terá condições de pagar as parcelas mensais da dívida com a União, temendo que o cenário fiscal se torne insustentável dentro de 5 ou 6 anos. Tal regime representava a postergação das prestações mensais com aumento crescente do saldo devedor durante os primeiros 9 anos, impondo um comprometimento futuro com dívida acima de 10% da receita líquida.

Em junho passado, a secretária estadual da Fazenda, Pricilla Maria Santana, sustentou que é necessário alongar o prazo em mais 6 anos, além dos 9 anos de carência já acordados, bem como alterar os critérios de indexação da dívida vinculados à inflação (IPCA) e à política monetária (Selic). A dívida contratual saltou de R$ 86 bilhões para R$ 93,6 bilhões entre 2021 e 2022 — uma alta de 8,7%.

Poucos economistas foram a público alertar que a adesão ao regime seria um erro nas condições contratuais propostas pela União, já que geraria um novo processo de acumulação de dívida. A estimativa era que a renegociação do passivo estadual custaria R$ 146 bilhões até o final do contrato (a preços constantes), ou seja, 188,45% acima do valor de face de R$ 77 bilhões.

Agora, os ferrenhos defensores do RRF justificam o fracasso de suas projeções, procurando culpados externos: as questões climáticas e a queda de arrecadação em 2022. Tais justificativas são válidas, contudo, tangenciam o cerne da questão. As regras contratuais impostas pela União são injustas e levam a uma acumulação interminável.

Foram feitas várias críticas consistentes, sustentando-se que a taxa de juros de 4% ao ano era elevada, que havia uma trajetória de baixa geração de resultados primários nas contas públicas e o ajuste fiscal propalado pelo governo não era sustentável.

Também se observou que a incorporação de outras dívidas internas e externas garantidas pela União aumentariam o saldo do contrato, que a regra de indexação prejudicava o ente devedor quando a inflação e a taxa Selic se elevam, assim como que a imposição de um comitê gestor retiraria a autonomia da política fiscal do estado.

Com premissas financeiras voluntariosas, os negociadores da dívida acreditaram numa hipotética geração de superávits primários futuros, justificando que o déficit crônico do RS estava equacionado. Apostaram em um crescimento real da receita líquida acima das despesas primárias e numa continuada expansão do PIB estadual. Considerando-se a trajetória fiscal, tal pressuposição era equivocada, já que as contas estaduais se caracterizavam pela baixa geração de resultado primário, dependendo da elevação extraordinária de alíquotas de ICMS, de engenharias financeiras e de privatizações. Para isso, basta rever as execuções anuais do fluxo de caixa do Tesouro Estadual ao longo de vários governos.

A secretária da Fazenda quer dar mais uma pedalada na dívida estadual, crente de que a nova geração de gaúchos estará disposta a pagar mais impostos para transferir recursos financeiros à União em nome de um contrato impagável.
Por outro, ela tem o grande mérito de ensinar aos gaúchos que o contrato assinado não era tudo o que foi veiculado pelo governador. Também ajudou a relembrar que em matemática financeira existe uma diferença conceitual entre “reestruturação” e “acumulação” de dívidas.


A consequência do RRF e de suas amarras, além da perda da autonomia administrativa, será a pressão recorrente por cortes em custeio e em investimentos, com influência direta na qualidade dos serviços públicos e sobre os indicadores de eficiência em educação, segurança e saúde. Aqueles que defendem o resultado primário a qualquer custo para pagar juros elevados, transpõem sua convicção teórica para um orçamento idealizado onde, no limite, somente haveria apenas três rubricas: receitas, serviço da dívida e investimento.


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